JOGOS OLÍMPICOS
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CONSIDERAÇÕES EXTEMPORÂNEAS SOBRE VANDERLEI, NIETZSCHE, SCHOPENHAUER E OLIMPÍADAS
Stamberg Júnior
“A maior conquista e a maior glória da minha vida é a minha história. Ela é tão importante quanto as medalhas que conquistei”. O enunciado poderia ser dito por qualquer campeão olímpico, mas não teria o mesmo valor simbólico caso fosse declarado por outro que não Vanderlei Cordeiro de Lima, atleta que ganhou a medalha de bronze na Maratona das Olímpiadas de Atenas, vinte anos atrás, em 2004. De fato, não é tanto a cor da premiação pela qual o esportista é lembrado, mas antes pela persistência em continuar a corrida após ser agredido por uma pessoa que o tentou impedir, por ser o único brasileiro condecorado com a medalha Pierre de Coubertin, maior honraria do Comitê Olímpico Internacional, e por acender a pira nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016.
Esses antecedentes compõem imagens e trechos do documentário Vanderlei: pernas, cabeça e coração (2023), uma produção original do Comitê Olímpico do Brasil, dirigida pelos jornalistas Diogo Venturelli, Gabriel Baron e Terni Castro e disponível no
YouTube. O longa acompanha a trajetória do maratonista desde a sua infância, em Cruzeiro do Oeste (PR), passando pelas suas vitórias e derrotas no esporte, até os dias atuais, em que divide o tempo entre o instituto que carrega o seu nome e a vida reservada em um sítio na cidade em que nasceu.
A história do atleta vindo do interior é intercalada por relatos de parentes, jornalistas, treinadores e outros campeões olímpicos, além do encontro emocionante com a filha do cidadão grego (já falecido) que ajudou Vanderlei a se soltar do homem que o agarrara durante a Maratona. De origem e forma de viver muito simples, o atleta parece conservar a resiliência, que tanto o torna admirável, numa posição estoica de enxergar e se portar diante da vida. Estoica por driblar a adversidade com as pernas, por levar a serenidade na cabeça e por guardar a superação de si no coração. Esse é o Vanderlei das pernas, da cabeça e do coração.
A biografia resiliente do campeão olímpico nos remete àquele trecho de A Gaia Ciência, livro em que Nietzsche exalta a vida a partir de seu sentido afirmativo: a nossa existência é composta pelos altos e baixos, por vales e montanhas, e é exatamente por isso que deveríamos amá-la. Não precisamos negar esta vida em busca de uma outra – mas senti-la, vivê-la, sofrê-la, em todas as suas potencialidades e com a máxima intensidade possível, mesmo diante dos reveses, da perda e da derrota. Aliás, precisamente por elas. As dificuldades, os sofrimentos, dores e dissabores – ainda que possam não ter sentido transcendente – são fundamentais para que o humano se fortaleça (e, inclusive, compreenda o que é o espírito olímpico). Questiona o filósofo da suspeita: