Contemporânea Contemporânea #11 | Page 6

Por que o esporte é racista? Como deixará de ser?

Algumas enunciações

Neilton de Sousa Ferreira Júnior

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O texto apresenta uma interpretação particular sobre a pergunta: por que o esporte é racista? Interpretação que embora não estabeleça uma oposição completa às respostas mais correntes, busca suspender, ainda que provisoriamente, conclusões de superfície tais como: “o esporte é racista porque a sociedade é racista.” O caminho aqui percorrido, então, é o da historicidade e da relação aparentemente simbiótica entre forma esportiva moderna e processos de racialização. Nascido no seio da revolução industrial burguesa e disseminado na esteira das aventuras colonialistas e imperialistas, o esporte moderno tem por principal característica a instrumentalidade. Além de elementos constitutivos da identidade da classe dominante, as práticas esportivas modernas se afirmam na sociedade do trabalho e da produção a partir de uma funcionalidade objetiva ligada à domesticação e à moralização do corpo produtivo. Condição que mais tarde se espraiou pelo campo da hipercompetição espetacularizada, podendo inclusive gozar de relativa indiferença para com as questões sociais fundamentais, como as lutas anticoloniais, anti-apartheid e pelos direitos civis. Disso decorrem noções de que o racismo abundantemente flagrado no esporte resulta de um fenômeno que se estabelece de fora para dentro, “vitimando” o próprio esporte.

O principal argumento do texto, contudo, baseia-se na noção de que o racismo

não pode produzir seus efeitos “fora” dos sistemas de prática cultural, posto que a sociedade, entidade abstrata evocada para compor o argumento da vitimização do esporte pelo racismo, só pode ser apanhada nos seus sistemas concretos de práticas. Fundamentalmente, o esporte é a sociedade se relacionando de forma específica. Se esta concepção fizer algum sentido, então não será exagero, tampouco um juízo moral, nos referirmos ao esporte como um sistema de práticas culturais organizadas, também, pelo racismo.

O processo que se inicia com a apropriação e racionalização de práticas corporais pré-modernas de povos tradicionais, desembocando na disseminação do modelo de competições organizadas sob o controle e deliberação de instituições ocidentais (MANGAN, 1992), filia-se, em larga medida, à concepções civilizacionistas advindas de países imperialistas reconhecidamente engajados na tarefa de ocidentalização do mundo por meio das mais diferentes vias culturais (COUBERTIN, 2015; MANGAN, 1992, SOTOMAYOR, 2016). O Outro, nesse contexto, sobretudo o Outro não-branco, assume a condição do objeto da ação civilizadora. Ação que codifica o não-branco como um subdesenvolvido, desprovido de história, cultura, esporte (ODENDAAL, 1988), por isso carente de terapêuticas capazes de conduzi-lo, conforme dirá o barão Pierre de Coubertin, “da condição semisselvagem à condição ultracivilizada”.

RACISMO NO ESPORTE