RACISMO NO ESPORTE
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A literatura sobre raça e etnia indica que quando rompemos com a escravidão e o estatuto de igualdade foi afirmado, um estoque de teorias pseudocientíficas surgiu para justiçar as diferenças no intuito de formar uma nova estrutura de castas nas sociedades ocidentais. Tais teorias justificaram os maiores horrores (torturas, linchamentos, segregação, invisibilidade) e genocídios que vivenciamos no decorrer do Séc. XX e ainda hoje não se extinguiram.
Voltemos ao caso exemplar de Vinícius Jr. Para além dos embates e provocações de outras naturezas que surgem no espaço do jogo, as agressões sofridas por ele naquele fatídico dia representam em princípio duas coisas: primeiro, estamos diante de pessoas que se imaginam “brancas” e, portanto, pensam sobre si como localizadas na casta superior, mesmo que estejam bem abaixo na pirâmide econômica, quando comparados a Vinícius Junior e outros jogadores negros bem-sucedidos. Eles, mesmo sem posses econômicas, gostam de lembrar que pertencem à casta que possui status e não enfrenta preconceito, segregação e desconfiança no espaço público. Segundo, temos que ter clareza que os atos racistas protagonizadas no espaço do futebol são fruto do ressentimento, pois, aqueles idiotas estão na arquibancada na condição de atores passivos que pagaram para assistirem um negro do time adversário protagonizar o espetáculo. Um negro que faz a diferença e lembra que os indivíduos devem ser medidos pela competência e não pela cor da pele. A reação dos ressentidos sem qualquer poder é esbravejar e lembrar que a sociedade é formada por castas e que esses protagonistas negros pertencem, apesar de toda riqueza e méritos, à "casta inferior".
A reação de Vinícius Jr. foi contundente e eficaz. Colocou-se como igual não só diante das regras do futebol, mas como um igual que não aceita ser tratado pela gramática das castas em nenhum espaço social. Se inicialmente as autoridades espanholas tentaram minimizar o fato como algo da “rivalidades futebolística”, a ampla divulgação das ações racistas e a indignação antirracista, as fizeram recuar. Autoridades, personalidades públicas, entidades esportivas, movimento negro, atletas e a opinião pública, assumiu a bandeira do antirracismo. Naquele jogo conturbado, Vinícius Jr. saiu de campo mais forte e se tornou uma voz que luta para ser tratado com paridade de status na sociedade. O protesto veemente de Vinicius Jr. lembrou, tal como Hannah Arendt, que não podemos (e não devemos) escolher com quem vamos viver ou dividir o espaço público no mundo. Por fim, o episódio representa os sentimentos de casta entranhados na cultura que se misturam em variados graus com a noção de classe nas democracias liberais. Se há alguma coisa positiva nesse episódio é o fato que a voz antirracista está mais forte que as ações racistas que parecem explicitamente nesses eventos, apesar do racismo silencioso ser mais difícil de atacar. Mas, infelizmente, os atos racistas representam apenas a ponta do iceberg, pois eles podem esconder a estrutura de castas entranhada socialmente no mar de nossas subjetividades.
ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Memória e Sociedade, 1992.