Contemporânea Contemporânea #11 | Page 16

RACISMO NO ESPORTE

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para grupos específicos de mulheres. Sueli Carneiro (2011) e Lélia González (1984), tendo em vista as suas pesquisas realizadas em um Brasil não tão distante temporalmente do representado pela reportagem de 1983, observaram a necessidade epistemológica de compreender a especificidade de mulheres negras diante de dinâmicas de opressão e de hierarquias diferentes das demais mulheres — e  que corrobora com o pensamento de bell hooks (2020) sobre as mulheres negras nos Estados Unidos. Contudo, Carneiro analisa que:

excluía marcadores sociais, sobretudo de raça e de sexualidade. Diante disso, deveriam entrar em campo e atrair o público pela beleza, pelo fetiche, não pela qualidade técnica.  

Em decorrência desse episódio, Castor, seis de seus seguranças e as duas jogadoras - Sara Custódio e Elizabeth Costa - foram denunciados pela promotoria por lesão corporal. Apenas Sara e Elizabeth se declararam culpadas [4]. Ambas foram condenadas a sete meses de detenção. Dois seguranças foram também sentenciados à pena de reclusão. No entanto, todos foram beneficiados pelo sursis [5] e permaneceram em liberdade condicional. Castor foi absolvido e comemorou ao som da bateria da Portela a saída do Tribunal [6].

O racismo tem destinado aos negros as tarefas consideradas diletantes ou periféricas da sociedade. Uma delas é o esporte. Os negros, por sua vez, têm abraçado essas oportunidades com a garra e o desespero que as chances “únicas” produzem nos excluídos e discriminados. E esses poucos espaços se constituem em instâncias de afirmação de humanidade e de igualdade sistematicamente negadas pelo racismo (Carneiro, 2011).

[1] O trio de arbitragem era composto por Ricardo Durães e os bandeirinhas Édson Coelho e Getúlio Arantes. Ver:  Promotor denuncia Castor de Andrade e seis seguranças. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1983, p. 13.

[2] Trabalhamos em nossas teses com edições da revista Placar como forma de contextualizar a construção social do pensamento que define os padrões de estética e de comportamentos – bem como os reflexos desses – os quais as futebolistas estão submetidas até hoje. Como parceiras, dividimos nossas percepções sobre a temática, tendo em vista as problematizações e discussões realizadas em nossas pesquisas. Trata-se de um trabalho em conjunto que ameniza a sensação de solidão da escrita, transformando-se numa aprazível experiência de autoconhecimento, companheirismo e amizade proporcionada pelos encontros na Academia. À Mariane direciono minha gratidão por essas reflexões.

[3] Em 2019, Juca Kfouri, Redator-Chefe da revista na época, publicou em seu blog um pedido de desculpas pelo o viés machista e sexista com o qual a Revista Placar imprimia suas reportagens sobre futebol feminino: “Em edição recente sobre a Copa do Mundo de futebol feminino, a revista Placar fez necessária autocrítica sobre a maneira com que cobriu o esporte em décadas passadas, sempre com viés sexista e machista. O reconhecimento do erro é ótimo exemplo para inúmeros veículos brasileiros que costumam manter silêncio sobre seus equívocos editoriais. Desnecessário lembrar a responsabilidade deste

No entanto, no caso de Sara, essa humanidade continuou sendo negada. Aos 21 anos, a goleira jamais imaginou que seu nome estampasse as páginas policiais dos jornais. Era estudante e já havia atuado na Espanha (Salles, 1983). Ao lado de Margarete Pioresan, titular do Radar e, mais tarde, da seleção brasileira, eram consideradas as melhores goleiras do campeonato. Mesmo assim, a sentença da futebolista extrapolou a esfera jurídica. Foi acusada de ser “selvagem”, “fera”, e condenada pelo jornalismo esportivo da Placar a “voltar à jaula”. Para além da incontestável reprovação da agressão em si, o que se percebe na reportagem da revista é a mobilização de um modelo de futebol feminino. Um modelo que justificava o espaço no campo futebolístico, negado às mulheres por mais de quatro décadas, e a atenção do jornalismo brasileiro – na época majoritariamente composto por homens. Para isso, as futebolistas brasileiras deveriam se encaixar no padrão de gênero e de estética socialmente aceitos na época, tendo em vista uma feminilidade que