Contemporânea Contemporânea #11 | Page 14

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RACISMO NO ESPORTE

Em outubro de 1983, na final do I Campeonato Carioca de Futebol Feminino, uma cena alcançou proporções nacionais. O embate entre Bangu F. C. e E. C. Radar terminou em agressão contra a arbitragem¹ no Estádio de Moça Bonita. O time visitante vencia por 1x0 quando Castor de Andrade, então presidente de honra do Bangu, invadiu o campo com seus seguranças armados a fim de pressionar o árbitro da partida a marcar um suposto pênalti a favor de sua equipe. A ação foi seguida por algumas jogadoras do clube.

A modalidade Futebol Feminino havia sido regulamentada no Brasil pelo Conselho Nacional de Desportos (CND) apenas em abril de 1983, mesmo ano da referida partida entre Radar e Bangu. Até então, pouco se veiculava nos meios de comunicação sobre os jogos. A situação envolvendo a figura de Castor de Andrade ganhou grande repercussão na imprensa esportiva e as jogadoras foram consideradas um mau exemplo para o futebol, recém-liberado às mulheres. Em especial Sara Custódio, que foi exposta como “fera” em uma reportagem intitulada “A bela… e as feras”, do jornalista Lemyr Martins (1983) para a revista Placar. Nela, a goleira aparece em destaque como a antítese de Isabel Nunes – a “bela” – do S.C. Internacional.

Ela balançou os quadris num movimento   obrigatoriamente sensual para deslocar as duas adversárias à sua frente e fuzilou contra o gol do Internacional de Santa Maria. Depois, com a mesma graça, deu um soco vitorioso no ar. “Mata o velho, mata”, gritou das gerais “seu” Ambrósio, 60 anos, folclórico torcedor colorado (Martins, 1983, p. 49).

AS INTERSECÇÕES ENTRE GÊNERO, RAÇA, SEXUALIDADE E CLASSE SOCIAL NO PÓS-ANISTIA DO fUTEBOL fEMININO

Caroline Soares de Almeida

A jogadora do Internacional à qual se refere o fragmento da matéria acima é branca, esguia, com cabelos longos e lisos, e foi fotografada sorridente. O drible que ela aplicava sobre suas adversárias foi reduzido a um balanço sensual de quadris pelo espectador da cena. A reportagem ainda exibe fotos de Isabel com partes do uniforme do Sport Club Internacional e biquíni, deixando à mostra um corpo idealizado por padrões de feminilidade e de beleza da época, que é mostrado tendo sido objeto do olhar e do desejo de quem narra o evento. Isabel aparece nas duas primeiras páginas, em fotos coloridas, vestindo um biquíni nas cores do seu clube e em poses sensuais. Na página seguinte, encontramos as “feras do Bangu” simbolizadas pela pequena fotografia em preto-e-branco de Sara Custódio: negra, cabelos curtos, sem sorriso. Ao contrário de Bel, Sara não teve sessão de fotografia, nem foi maquiada – e nenhuma qualidade positiva da jogadora do Bangu foi ressaltada por Martins. Pelo contrário, as “feras” foram responsabilizadas pela confusão acontecida em campo, o que é chamada na reportagem de “selvagem agressão”. O texto ainda termina da seguinte forma: “resta torcer para que no futuro, o futebol feminino tenha muitas outras belas, inspiradas na atraente estrela do Inter – e que as feras voltem às jaulas (Martins, 1983, p. 50)”.