Congresos y Jornadas Didáctica de las lenguas y las literaturas. | Page 233

um andar de morta, como num sonho, ela foi assim conduzida para a Câmara dos Tesouros. Senhores, aias, homens de armas, seguiam num respeito tão comovido que apenas se ouvia o roçar das sandálias nas lajes. As espessas portas do Tesouro rodaram lentamente. E, quando um servo destrancou as janelas, a luz da madrugada, já clara e rósea, entrando pelos gradeamentos de ferro, acendeu um maravilhoso e faiscante incêndio de ouro e pedrarias! Do chão de rocha até às sombrias abóbadas, por toda a câmara, reluziam, cintilavam, refulgiam os escudos de ouro, as armas marchetadas, os montões de diamantes, as pilhas de moedas, os longos fios de pérolas, todas as riquezas daquele reino, acumuladas por cem reis durante vinte séculos. Um longo ah, lento e maravilhado, passou por sobre a turba que emudecera. Depois houve um silêncio, ansioso. E no meio da câmara, envolta na refulgência preciosa, a ama não se movia... Apenas os seus olhos, brilhantes e secos, se tinham erguido para aquele céu que, além das grades, se tingia de rosa e de ouro. Era lá, nesse céu fresco de madrugada, que estava agora o seu menino. Estava lá, e já o Sol se erguia, e era tarde, e o seu menino chorava decerto, e procurava o seu peito!... Então a ama sorriu e estendeu a mão. Todos seguiam, sem respirar, aquele lento mover da sua mão aberta. Que jóia maravilhosa, que fio de diamantes, que punhado de rubis, ia ela escolher? A ama estendia a mão — e sobre um escabelo ao lado, entre um molho de armas, agarrou um punhal. Era um punhal de um velho rei, todo cravejado de esmeraldas, e que valia uma província. Agarrara o punhal, e com ele apertado fortemente na mão, apontando para o céu, onde subiam os primeiros raios do Sol, encarou a rainha, a multidão, e gritou: - Salvei o meu príncipe, e agora - vou dar de mamar ao meu filho! E cravou o punhal no coração. QUEIRÓS, E. d. “A Aia”. In: Contos. Porto: Livraria Chardron de Lello & Irmão. 1902. p. 211-220. Após a leitura do conto, percebe-se que o conceito de fruição estética como resultado de uma percepção abrangente e duradoura do texto ficcional (BARTHES, 1987) é um elemento importante para o professor de Português em geral, e o de L2 em especial. Isso se deve à ironia, que é uma estratégia discursivo-textual que exige do leitor um processo inteligente de decifração do que se diz sem dizer. Assim sendo, os jogos verbais arquitetados com o/pelo léxico põem a nu a fragilidade humana e sua condição risível, desmascarando-a. Vamos ao texto de Barthes (1987, p. 20-21): Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem. Acreditando que “a arte poetiza singularmente a existência” (Apud Duarte, em “A valorização do leitor na arte de Eça de Queirós (ou respondendo a Machado de Assis e a Fernando Pessoa)” em Duarte, 2006, p. 177-197), Eça de Queirós constrói cenários e personagens que ora irritam, ora fazem rir o leitor por suas características, muitas vezes, absurdas, hipócritas, debochadas. Nota-se que a ironia ganha corpo por meio das antíteses utilizadas pelo autor para 998