Congresos y Jornadas Didáctica de las lenguas y las literaturas. | Page 231
Nota-se que, para compreender esse texto, o intérprete precisa abandonar a
ingenuidade e atentar para as artimanhas lexicais presentes na superfície do texto, o que
o obriga a refletir sobre as assimetrias sociais. Obliquamente, ao conseguir alcançar uma
estrutura fabular, que em sua superfície glorifica a servidão de uma mãe que sacrifica o
próprio filho para salvar o futuro rei, manifesta-se na trilha lexical do conto uma ironia
refinada. Entretanto, percebe-se claramente que, por meio de um teor moralizante, “A
Aia” tece críticas severas a um ideário que inclui submissão e corrosão. Acompanhem a
história:
A Aia 313
Eça de Queirós
Era uma vez um rei, moço e valente, senhor de um reino abundante em cidades e searas,
que partira a batalhar por terras distantes, deixando solitária e triste a sua rainha e um filhinho,
que ainda vivia no seu berço, dentro das suas faixas.
A Lua-cheia que o vira marchar, levado no seu sonho de conquista e de fama, começava a
minguar — quand o um dos seus cavaleiros apareceu, com as armas rotas, negro do sangue seco e
do pó dos caminhos, trazendo a amarga nova de uma batalha perdida e da morte do rei,
traspassado por sete lanças entre a flor da sua nobreza, à beira de um grande rio. A rainha chorou
magnificamente o rei. Chorou ainda desoladamente o esposo, que era formoso e alegre. Mas,
sobretudo, chorou ansiosamente o pai que assim deixava o filhinho desamparado, no meio de
tantos inimigos da sua frágil vida e do reino que seria seu, sem um braço que o defendesse, forte
pela força e forte pelo amor.
Desses inimigos o mais temeroso era seu tio, irmão bastardo do rei, homem depravado e
bravio, consumido de cobiças grosseiras, desejando só a realeza por causa dos seus tesouros, e
que havia anos vivia num castelo sobre os montes, com uma horda de rebeldes, à maneira de um
lobo que, de atalaia no seu fojo, espera a presa. Ai! a presa agora era aquela criancinha, rei de
mama, senhor de tantas províncias, e que dormia no seu berço com seu guizo de ouro fechado na
mão!
Ao lado dele, outro menino dormia noutro berço. Mas este era um escravozinho, filho da
bela e robusta escrava que amamentava o príncipe. Ambos tinham nascido na mesma noite de
Verão. O mesmo seio os criava. Quando a rainha, antes de adormecer, vinha beijar o
principezinho, que tinha o cabelo louro e fino, beijava também por amor dele o escravozinho,
que tinha o cabelo negro e crespo. Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas. Somente,
o berço de um era magnífico e de marfim, entre brocados - e o berço do outro pobre e de verga.
A leal escrava, porém, a ambos cercava de carinho igual, porque se um era o seu filho - o outro
seria o seu rei.
Nascida naquela casa real, ela tinha a paixão, a religião dos seus senhores. Nenhum
pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto à beira do grande rio. Pertencia,
porém, a uma raça que acredita que a vida da terra se continua no Céu. O rei seu amo, decerto, já
estaria agora reinando num outro reino, para além das nuvens, abundante também em searas e
cidades. O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas.
Os seus vassalos, que fossem morrendo, prontamente iriam, nesse reino celeste, retomar em
torno dele a sua vassalagem. E ela um dia, por seu turno, remontaria num raio de luz a habitar o
palácio do seu senhor, e a fiar de novo o linho das suas túnicas, e a acender de novo a caçoleta
dos seus perfumes; seria no Céu como fora na terra, e feliz na sua servidão.
Todavia, também ela tremia pelo seu principezinho! Quantas vezes, com ele pendurado do
peito, pensava na sua fragilidade, na sua longa infância, nos anos lentos que correriam antes que
ele fosse ao menos do tamanho de uma espada, e naquele tio cruel, de face mais escura que a
noite e coração mais escuro que a face, faminto do trono, e espreitando de cima do seu rochedo
entre os alfanges da sua horda! Pobre principezinho da sua alma! Com uma ternura maior o
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Atualizamos a grafia.
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