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Maio de 68 e a literatura
Gostaria de seguir essa espiral em direção às obras de es-
critores como Tununa Mercado, Ricardo Piglia, ou Silviano
Santiago. Mas encerro evocando um último evento: a visita
que Susan Sontag faz ao México justamente no fim de 1968. A
partir de 1966, com a publicação do volume de ensaios Contra
a interpretação, Sontag consolida sua posição como porta-voz
primeiro-mundista da consciência política de esquerda. A expe-
riência mexicana, contudo, parece escapar do repertório que ela
levava consigo até então, mesmo contando com sua viagem ao
Vietnã no mesmo ano. Cito a biografia de Paddock e Rollyson:
“A caminho de Cuba em fins de dezembro de 1968, Sontag deu
uma palestra sobre sua viagem a Hanói na Universidade Na-
cional da Cidade do México. Ela fora precedida por uma série
de conferencistas marxistas, que haviam levado os estudantes
à radicalização no dia seguinte ao massacre de 2 de outubro de
1968, quando cerca de 2 mil manifestantes na cidade do México,
protestando contra a ocupação da universidade pelo exército,
haviam sido agredidos, baleados e presos. As mortes enfurece-
ram a geração mais jovem e chocaram o México. Sontag falou
para um público estudantil militante e antiamericano, talvez mil
pessoas amontoadas em uma sala com capacidade para quatro-
centas pessoas sentadas. Não importava o que dissesse, nada
parecia suficientemente radical. Sob uma implacável fuzilaria de
perguntas a respeito da guerra e da política externa americana
e ataques aos seus argumentos, ela desabou e chorou. Reco-
brou-se rapidamente, mas quando tratou da guerra do Vietnã,
a escritora que era admirada pelo seu controle, que dominava a
tribuna de oradores com tanta desenvoltura e serenidade, per-
deu a compostura” 21 . Tenho a impressão de que essa cena de
Sontag no México é um bom exemplo de como o centro pode
ser afetado, e talvez transformado, quando entra em contato
com a experiência da margem.
21 ROLLYSON, Carl; PADDOCK, . Susan Sontag: a construção de um ícone. Trad. Maria
Júlia Goldwasser. São Paulo: Globo, 2002. p. 159-160.
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