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O conceito de espetáculo e seus fundamentos
como Debord dá o exemplo de como os trabalhadores foram
“humanizados” para tornarem-se consumidores na seguinte tese
de sua obra, que é cada vez mais atual:
Na fase primeira da acumulação capitalista, ‘a economia política
só vê no proletário o operário’, que deve receber o mínimo indis-
pensável para conservar sua força de trabalho; jamais o considera
‘em seus lazares, em sua humanidade’. Esse ponto de vista da classe
dominante se inverte assim que o grau de abundância atingido na
produção das mercadorias exige uma colaboração a mais por parte
do operário. Subitamente lavado do absoluto desprezo com que é
tratado em todas as formas de organização e controle de produção,
ele continua a existir fora dessa produção, aparentemente tratado
como adulto, com uma amabilidade forçada, sob o disfarce de
consumidor. Então, o humanismo da mercadoria se encarrega dos
‘lazeres e da humanidade’ do trabalhador, simplesmente porque
agora a economia política pode e deve dominar essas esferas como
economia política. Assim, ‘a negação total do homem’ assumiu a
totalidade da existência humana. 34
Não podemos esquecer que Debord acreditava que havia
uma maneira de desafiar e acabar com o espetáculo: por meio
do détournement, que seria pegar, por exemplo, um outdoor
anunciando uma venda e subvertê-lo a uma mensagem com-
pletamente oposta – seria usar as armas do sistema contra o
próprio sistema. Debord é um revolucionário, não podemos
nos esquecer disto, A Sociedade do Espetáculo é tanto um livro
de teoria quanto um livro de estratégia, de práxis. Neste sentido,
podemos e devemos localizar Debord numa corrente de pen-
samente emancipatória. Posteriormente, suas ideias influencia-
ram pensadores como Jean Baudrillard, porém, perde-se o lado
normativo do pensamento de Debord. Mesmo assim, ambos os
autores devem ser estudados.
34 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. 13 reimp.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. p. 31-32, grifos do autor.
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