Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2018 | Page 24

corriqueira da obra genuína. O momento final da narração de Paulo Honório coincide com o momento inicial da história a ser contada – a ação só pode começar depois de já ter sido. A narração, assim, fecha-se sobre si mesma – e, de fato, o fechamento lógico é condição necessária de todo ato de narrar, pois é condição de conhecimento. Se fosse possível restaurar no conto todos os aspectos do real, signo e objeto coincidiriam, e nenhuma mediação, nenhum significado seria possível – o narrador não conseguiria encadear os eventos, porquanto não conseguiria uma perspectiva reflexiva. [...]Já se disse que a lentidão do filme foi a maneira encontrada pelo diretor para transpor à linguagem cinematográfica a aridez da prosa de Graciliano. Mas como se filma um advérbio? Esse é todo o problema: a câmera de Leon Hirszman não adapta a linguagem de Graciliano Ramos, ela busca captar a experiência temporal de Paulo Honório contando sua própria história – Paulo Honório religando, reconstruindo, ressignificando sua vida. Meta-signos, os movimentos da câmera estão apostos às inflexões da voz do personagem-narrador; ambos os tempos – o das imagens e o da voz de Paulo Honório – se sobrepõem, sugerindo modalidades possíveis de ser/ligar/unir/continuar/mediar/criar outra temporalidade. Paulo Honório usa uma linguagem agreste, súbita, seletiva, cortada. Limitação sobre a limitação, negação da negação, signo de signo, os movimentos da câmera de Leon Hirszman formam um peculiar modo de enunciação, ou seja, escolhem uma maneira – dentre muitas possíveis – muito própria de contar como Paulo Honório conta a própria história. A câmera é continuamente estática, lenta, demorada. Longos planos, poucos cortes, cenas à distância, raros closes. Súbito, velozmente, a câmera corre atrás de Paulo Honório, anunciando o momento decisivo. Dentre todas as outras, é a única cena de movimentos bruscos e velocidade acelerada. A partir desse momento, entendemos por que Paulo Honório precisa contar sua história. Aqui, Leon Hirszman nos conta a lição do mestre: como transformar limitações orçamentárias em cinema. Cortar/encadear/surpreender/mostrar. Eis a essência do cinema. Leon Hirszman atrás da câmera.