Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2017 | Page 10

Nunca intrusivo mas nunca distante, Demme regista esse ritual com uma entrega discreta, em takes longos que recusam a estética sincopada do teledisco para capturarem a presença em palco de uma banda — de um colectivo que contribui como um todo. Há, é certo, uma ironia no facto de Stop Making Sense filmar uma banda cujo “estado de graça” transportava já em si as próprias sementes da sua gradual desintegração — o movimento de Byrne para o centro do palco não apenas como vocalista do grupo mas também como criador e conceptualizador do concerto e, progressivamente, figura central da cena multidisciplinar nova-iorquina. Aqui, ele é ao mesmo tempo mestre de cerimónias e xamã em transe, James Brown branco e pregador da submissão da mente ao corpo, tal como Demme subordina a imagem à música para atingir algo que não é simples ilustração ou registo de um concerto, mas uma polaroid de um momento no tempo, uma fusão entre imagem e som que raras vezes terá sido tão orgânica e tão precisa. Stop Making Sense é, sem meias palavras, uma obra-prima.