Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2016 | Page 4

Mas quem diabos é Michael Cimino à geração pós-anos 80 que não tomou contato com seus filmes? Pode soar palavreado sem sentido defender, em plena primeira década do século XXI, realizador de tantas camadas e complexidades, que soube como poucos falar sobre seu país sem jamais deixar de falar sobre o próprio ato de fazer cinema. Cimino nunca foi metalinguístico (à exceção do segmento comandado por ele para a antologia “Cada Um com Seu Cinema”, último registro de sua atividade de cineasta). Porém, suas empreitadas atrás das câmeras eram, por si só, o atestado do que ele acreditava que o cinema tinha potencial para ser. Ora o espaço do mito construído, ora do mito desconstruído; fosse o espaço de tensões claustrofóbicas, ou o de aventuras errantes pelas estradas sem rumo da América. Sob qualquer aspecto que decidisse abordar, Cimino manteve a profunda crença na capacidade do cinema funcionar como arte do corpo – da representação do corpo como propulsor da ação – e do olhar sendo a instância máxima da manutenção de relações invariavelmente destrutivas. Pois Cimino, em apenas sete longas-metragens realizados ao longo de 22 anos, marcou-se como um narrador de relações esfaceladas. Quase sempre foi pessimista, e é curioso que os dois extremos de sua obra se aproximem do otimismo: da irreverência de O Último Golpe (1974) à esperança de Na Trilha do Sol (1996), e ainda que nada de tangível permaneça do contato criado entre os personagens, ao fim há lampejos de novos rumos, olhares outros a um universo de possibilidades até então desconsideradas. [...] No cinema de Michael Cimino, os mitos podem crescer e sucumbir diante de sua própria natureza gigantesca ( O Siciliano ), ou podem se enterrar junto com a história de um país ( O Portal do Paraíso ); podem se tornar verdade ( Na Trilha do Sol ) ou serem renovados ( O Último Golpe ); talvez se dissipem num jantar de amigos depois da guerra ( O Franco Atirador ) ou provoquem o fim do mundo como se conhece ( O Ano do Dragão ), ou pelo menos o fim de um único mundo ( Horas de Desespero ). O que jamais vai faltar para Cimino é a existência desse mito fundamental, dessa fonte primária de onde a ação ocorre e que é responsável por toda a construção de um olhar atento ao que permite cada movimento. Se é de mitos, afinal, que falam os filmes de Cimino, nada mais coerente que ele mesmo, na incompreensão ainda a rodeá-lo, tornar-se apropriadamente um.