Catálogo Cine FAP Segundo Semestre de 2016 | Page 12

Texto: “Singularidade de um Cineastas Português”, por João Bénard da Costa. Em: http://www.focorevistadecinema.com.br/FOCO1/benard-singularidade.htm Na arte do cinematógrafo, que conta apenas 113 anos, Manoel de Oliveira é o primeiro criador a celebrar 100 anos, em atividade. Uma atividade iniciada em 1929, há quase 80 anos, tinha Manoel de Oliveira apenas 20. Foi nesse ano que começou a rodar Douro , Faina Fluvial apresentado publicamente, em versão muda, a 21 de Setembro de 1931, no mesmo dia em que morreu o nosso primeiro cineasta - Aurélio da Paz dos Reis - e na mesma sala onde, muitos anos mais tarde, a então chamada Cinemateca Nacional efetuou as suas primeiras sessões. Mas a singularidade de Manoel de Oliveira vai muito para além da sua extraordinária longevidade e da sua extraordinária criatividade. Aqui, atenção que os portugueses não costumam tratar bem aqueles que “ousaram mais ser | que a outra gente” para citar um verso de Sophia. Detratores, que lhe não faltam, como nunca faltaram em Portugal aos poucos que tiveram ou têm a grandeza dele, objetarão que esse reconhecimento internacional se reduz a um escasso número de conhecedores, já que propriamente Oliveira não é uma celebridade popular, não é Amália nem Cristiano Ronaldo. Não é também um ídolo cinematográfico das multidões, como o foi Chaplin ou como o é Woody Allen. Não o foi nem nunca pretendeu sê-lo. O cinema, segundo uma frase célebre, é uma arte, mas é também uma indústria. Em termos de indústria, Manoel de Oliveira não dirá nada a ninguém. Para ele, o cinema sempre foi arte, como o foi para Bresson ou como é para Jean-Marie Straub. É no domínio da arte do cinema, o único que lhe interessa, que Oliveira é mundialmente reconhecido como um dos maiores, para alguns até como o maior cineasta vivo e em atividade. Situação paradoxal. Num país da Europa ocidental com a mais pequena produção e com mais lentos começos cinematográficos, nada fazia prever, nesses longínquos anos 20, que em Portugal surgiria um dos nomes maiores da chamada sétima arte. Até ele, em Portugal, o cinema de ficção tinha sido obra de estrangeiros ou estrangeirados e só na geração dele surgiram homens com outras ambições. Leitão de Barros por exemplo, assinou os seus melhores filmes à época em que Oliveira começou. Mas os outros tornaram-se casos de memória, mesmo que de boa memória. Oliveira ultrapassou os caminhos e já todos se tinham retirado ou tinham morrido quando Oliveira alcançou fama mundial. Pacientemente, após muitas interrupções e muitos anos de silêncio, aguardou a sua hora, que alguns, como Bazin ou Langlois, previram nos anos 50 ou 60, mas que só chegou aos festivais e às primeiras páginas da imprensa generalista ou especializada nos anos 70, ao tempo da chamada “tetralogia dos amores frustrados”, sobretudo com Amor de Perdição (1978) e Francisca (1981). O milagre Oliveira começou quando o realizador tinha 70 ou mais anos, começou quando a grande maioria dos grandes cineastas terminou a sua obra. Algumas características exteriores (interiores também, mas isso era outra conversa que não cabe neste texto) apuseram-se ao nome de Oliveira: filmes de enorme duração, filmes estáticos com a câmera fixa em planos com o máximo de duração possível. A lenda não corresponde à realidade. Das suas 30 longas-metragens, incluindo a que está a rodar neste momento, só três ( Amor de Perdição , Le soulier de satin e Vale Abraão ) ultrapassam as três horas de duração.