Catálogo Cine FAP Primeiro Semestre de 2017 | Page 9

Em primeiro lugar, porque essas características pertencem apenas a um período mais específico de sua carreira, entre 63 e 67. Em segundo lugar, e mais importante, porque a forma de seus filmes parece denotar uma irreverência quase absoluta em relação ao que de fato é encenado. Seja trabalhando em filmes de gênero e baixo orçamento para a Nikkatsu, seja como cineasta independente fazendo filmes experimentais, a principal marca formal que aparece nesses filmes é um total descompromisso, quase uma arbitrariedade, ao que o "conteúdo" desses filmes mostra. Suzuki é mestre em criar dispositivos para fazer a mise-en-scène contar uma outra história, uma história visual, uma intriga suplementar à narrativa propriamente dita de seus filmes. Naturalmente, isso faz parte do processo no qual Seijun Suzuki ingressou. No fim da década de 40, a produção cinematográfica japonesa estava circunscrita a cinco grandes companhias produtoras, e o caminho para se transformar num diretor de cinema passava por anos de aprendizagem como assistente de direção sem que houvesse mesmo a liberdade para escolher o diretor com quem se trabalharia. Suzuki entrou meio que à toa na Shochiku, em 1948, onde foi assistente de três diretores, e seis anos depois passou para a Nikkatsu, companhia em que viria a construir sua carreira, inicialmente como assistente, e depois como realizador. Engajou-se nos filmes de yakuza, uma das especialidades da produtora. Eram produções relativamente baratas, com poucos dias de filmagem em comparação aos filmes considerados mais sérios, e histórias que tendiam à repetição e à digestão confortável dos fãs do gênero. Ou seja, algo muito aproximado do modo de produção do cinema B americano com seus westerns e noirs. Ora, se a margem de liberdade que se oferecia a Suzuki na escolha de temas e nas condições de produção eram mínimas, havia apenas uma forma de se destacar do resto da produção e aplicar um tipo de visão mais criativa: através dessa categoria tão especial – que para muitos é inteiramente desprezada mas que, para outros, constitui a magnificência da arte cinematográfica – que é a mise-en-scène. Se seus filmes não se parecem com os filmes de nenhum outro, dentro ou fora da Nikkatsu, dentro ou fora do Japão, dentro ou fora do gênero ao qual eles freqüentemente obedecem, é simplesmente porque a maneira de orquestrar o espaço visual pertence tão-somente a uma sensibilidade específica, a de seu diretor. [...]Então: Seijun Suzuki, cineasta abstrato? Sim, e em alguns níveis diferentes. Como vários cineastas de gênero (Jaen-Pierre Melville, Budd Boetticher), Suzuki utiliza a depuração dos mecanismos de construção dramática como estratégia de evidenciação da mise-en- scène, e faz com que tudo ganhe em charme e fetiche. Mas se tanto Melville quanto Boetticher vão primar pela concisão e pela elegância, Suzuki vai em caminho inverso, criando um universo extravagante e assimétrico, cheio de excessos e transbordamentos. É essa a sua trajetória na Nikkatsu, culminando com o surreal Tóquio Violenta (Tokyo nagaremono, 1966) e com o inominável A Marca do Assassino (Koroshi no rakunin, 1967), em que a própria trama vira apenas um pretexto para seqüências e seqüências de delírio visual e rítmico. A abstração é quase completa, fazendo do filme mais uma obra de vanguarda cinética do que propriamente um filme de ação (a história gira em torno de uma luta entre assassinos de aluguel para ver quem é o melhor de todos). Naturalmente, Suzuki estava feliz com o resultado, mas o filme incomodou a Nikkatsu o suficiente para bani-lo da companhia, ocasionando ao diretor um período de dez anos longe das telas de cinema.