Catálogo Cine FAP Primeiro Semestre de 2017 | Page 7
Trechos de: “Além da Mesmice ou Noites Paraguayas”, por Cid Nader.
Íntegra: https://abraccine.org/2013/05/27/dossie-raulino-parte-i-diretor/
Egresso do cinema da Boca do Lixo paulistana, o grande – e reconhecível pelos
resultados técnicos – fotógrafo Aloysio Raulino, andou também investindo na arte de dirigir (e
codirigir) filmes, quase sempre no formato curto – isso, desde o final dos 60, início dos 70. Peculiar
como fotógrafo, peculiar como realizador. Fez documentários, deu a voz e a câmera aos
entrevistados, ousou a mais do que a coragem comum permite quando da confecção de seu único –
até hoje, 2009, evidentemente – trabalho em longa-metragem. Falar da figura do fotógrafo e
realizador de vários filmetes é tarefa a ser cumprida por quem tenha tino e consciência da
importância dele em nosso cinema. Falar que ele talvez seja nosso melhor fotógrafo, também
demandaria espaço único. Talvez faça, breve, tal empreitada, mas sem jamais esquecer o impacto e
a emoção sentidos no momento em que vi pela primeira vez seu longa único, o estupendo,
engraçado, singelo, Noites Paraguayas (1981-1982). Havia feito um texto para a extinta Revista
Paisà, e aproveito aqui a espinha daquela minha avaliação sobre o filme.
Quando o vi numa mostra chamada O Primeiro Olhar, se não me engano, realizada
no Cinesesc (São Paulo) – mostra dedicada a diretores de um único longa-metragem – percebi que
havia acabado de assistir a uma obra ímpar. Filme que, já de cara, ganhava pontos por fugir da
mesmice narrativa – uma facilitação utilizada por diretores iniciantes como muleta ante o medo de
um primeiro tropeção –, no qual Raulino não teve medo de ousar esteticamente, para contar uma
história que remete a um dos grandes dramas humanos: o homem do campo que foge da miséria
para tentar uma nova oportunidade, fracassa (ou não se acostuma) e volta à origem. Tema recorrente
no cinema (nas artes literárias, também), história das mais utilizadas universalmente, mas observada
aqui com atenção detalhada ao personagem que vem do Paraguai para tentar a vida no Brasil – em
São Paulo, mais especifica e necessariamente –, e aditivada de um humor singular (principalmente
na figura do garçom meio maluquinho interpretado por José Dumont), que remete ao modo meio
jocoso/largado do nosso cinema Boca do Lixo.
Cheio de imaginação, o filme já inicia mostrando uma fileira de bonecos com roupas
de camponeses, cercados por uma chama propositalmente fake, numa evidente metáfora de um país
e seu povo, empobrecidos, estraçalhados pela guerra ocorrida no século XIX. Aloysio, desde o
início, faz perceber que seu trabalho não se instalará sobre – nem se municiará de – elementos
comuns e de fácil assimilação para quem procura beleza plástica fugaz e vazia. Indo além, e fugindo
ainda das ―normalidades‖, cria o gancho da atração para o camponês, interpretado por Osmar
Afrisio, via imagem de um brasileiro muito alegre dançando e vibrando em terras de transição – no
momento em que a jornada de busca por uma vida melhor já se iniciara, sem que o rumo certo, o
destino ideal, estivesse definido.
Por alguns instantes há aquele tom jocoso, debochado, irregular e necessário que
desvia o filme do teor grave imaginado como único caminho para esse tipo de história: como já
disse, brinde e bênçãos herdados dos tempos da ―marginalidade‖. O filme questiona a busca da
felicidade: a chegada do camponês a São Paulo, embalada por música de Moraes Moreira, já elucida
que a visão do novo mundo – repleta de prédios e cinza – pode significar a antevisão do paraíso para
os desesperançados; para após, sim, deixar claro que ele existe sim, mas lá nos campos de seu
Paraguai. Aqui não é o paraíso. O banzo não é exclusividade dos negros. Aloysio Raulino deveria
fazer mais filmes.