Trecho de: “Avatares da Coisa Maldita: notas sobre o cinema de Tobe Hooper”, por Fernando
Costa.
II. Lócus do horror
Quando os quatro adolescentes protagonistas de Pague Para Entrar, Reze Para
Sair entram na Casa dos Horrores (a Funhouse do título original) é que Tobe Hooper, após
jogar livremente com os princípios e convenções do cinema de gênero, nos apresenta de
forma programática nada menos que sua declaração de princípios como cineasta. Para tanto,
Hooper recorre a um dos motivos narrativos mais comuns tanto da literatura como do cinema
de horror, a saber, a “casa terrível” que submete seus habitantes a uma espécie de ordem
macabra e inumana. Trata-se de um tema que já o obcecava desde seu primeiro longa-
metragem, Eggshells (1969), tendo sido central em seus filmes dos anos 1970, O Massacre
da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974), Devorado Vivo (Eaten Alive, 1977) e A
Mansão Marsten (Salem’s Lot, 1979), mas que só se torna o fundamento plenamente
consciente de um projeto cinematográfico em Pague Para Entrar. Aqui, mais do que um
motivo, a Casa dos Horrores se torna o meio pelo qual o cineasta mobiliza os símbolos e
ícones desgatados da tradição para lhes conferir novas funções, para desestabilizar tanto
quanto possível o horror normalizado; a ordem monstruosa e incompreensível do espaço
subterrâneo violado pela presença dos protagonistas tem não apenas implicações narrativas
ou dramáticas, mas formais: é como se a própria textura do filme anterior instaurada pela
complacência no jogo inconsequente das convenções fosse tragada pelo caos de um
ambiente até então desconhecido. Talvez seja esse uso radicalmente disruptivo desse lócus
do horror que cause a sensação incômoda em muitos espectadores de que os filmes de
Hooper não “incoerentes”, de que em um dado momento todo o tecido narrativo estabelecido
parece se desintegrar em uma série de ocorrências bizarramente excêntricas.
Frame de Pague Para Entrar, Reze Para Sair.