Trechos de: “Tobe Hooper: “Penso que não sou um monsto”, por Luís Mendonça.
Entrevista na íntegra: http://www.apaladewalsh.com/2013/09/tobe-hooper-penso-que-nao-sou-
um-monstro/
Homem doce de voz profunda, Tobe Hooper é a exacta antítese do seu cinema,
que faz do frenesim horrífico e da brutalidade audio/visual algumas das suas imagens de
marca. Ou, pelo menos, esses são os lugares-comuns que servem a quem viu superficialmente
a sua obra, começando pela sua obra-prima: The Texas Chain Saw Massacre (Massacre no
Texas, 1974). Como em Leatherface, o verdadeiro Leatherface (para lá das máscaras),
encontramos em Hooper uma hesitação tímida na sua maneira de ser, que o faz falar pouco e
receosamente. Diz que não é como os seus monstros, mas que estes são, apesar de tudo,
personagens sensíveis. Sensibilidade é o que não falta a esta lenda viva do cinema de terror, o
homem que tantas infâncias e adolescências assombrou.
Durante muito tempo, o seu primeiro filme, Eggshells (1969), foi dado como perdido para
sempre. Acredito que o facto de ter sido redescoberto e restaurado após mais de quarenta anos
terá sido para si algo de muito importante.
É um pouco como uma cápsula do tempo. Penso que é o único verdadeiro filme hippie. Não é
como Easy Rider (1969). É um filme hippie, um filme sobre o que se estava a passar na altura.
Penso que a maior parte das imagens é the real thing, a verdadeira contra-cultura… Essas
imagens são como um estilo, como um fato que se pode usar. Tinha um subtítulo, Time and
Space Film Fantasy. Eu adorei fazer o filme, filmei-o durante meses e montei-o entre 8 a 9
meses e foi fixe fazer a minha primeira longa. No final do dia, tínhamos as grandes latas [com o
filme]. Era recompensador ter isso: película numa lata. As latas pesavam sete quilos. Eu adoro o
filme porque tem imensos truques de cinema.
Em certa maneira, Eggshells tem alguns planos que são replicados em The Texas Chain Saw
Massacre. Desde logo, há a óbvia obsessão pelas casas malditas e depois, nelas, pelos
corredores e as escadas, que são quase uma marca do seu cinema. Quando faz um filme,
pensa na coerência do seu universo ou este é um processo automático?
Penso que não podemos fugir ao automatismo da coisa… É assim que pensamos. É como a
estação de rádio em que estamos sintonizados naquele momento. O que está a passar na
nossa cabeça torna-se parte de nós. É como uma dança da guerra que se desenvolve à nossa
volta e as coisas surgem magicamente daí. Demorei alguns filmes para me aperceber que até a
meio da rodagem é o filme que me diz do que ele precisa. O filme começa a fazer-se através de
mim. Eu sou uma colaboração.
Hoje existem várias versões modernas de Leatherface. Estive a rever The Texas Chain Saw
Massacre e reparei nos traços mais sensíveis que confere à personagem. Ele é retratado como
uma espécie de artista plástico e tem um irmão com uma pancada por body art e fotografia.
São personagens muito sensíveis, mesmo que de uma maneira estranha. Sendo um artista
também, em que medida se revê nos seus vilões, nos seus monstros?
Ah, essa é uma boa questão. Eu compreendo-os. Eu acompanho o desenvolvimento
comportamental de uma família grande, fazendo coisas ridículas, deslocando valores morais.
Como “olha para o que o teu irmão fez com a porta”, e depois há cadáveres por todo o lado.
Essa é uma boa questão, nunca ma fizeram. Penso que não sou um monstro, mas compreendo-
os.