Catálogo Cine FAP Fim do Mundo | Page 17

Esta gravidade da proposta de Carpenter nunca é, felizmente, explicitada verbalmente no filme. Em total adequação com seu tema, Carpenter prefere mostrar, através de longas sequências quase mudas, a extensão do mal ao criar um sentimento de inquietude e agonia constante, arte na qual ele se tornou mestre (assim como na utilização da trilha, tão opressora quanto possível). O resultado de Eles Vivem é deslumbrante, notadamente em seu controle do scope, formato ingrato que Carpenter emprega para isolar os personagens, alienando-os no quadro, acetuando este efeito ao filmá-los em espaços fechados, com pespectiva de profundidade limitadas (ruelas, corredores, becos). Quanto ao aspecto “guerrilheiro” que alguns censuram no filme (a luta a mão armada entre os resistentes e os invasores), ele não faz com que Carpenter caia nas armadilhas do filme de gênero (filme de ação). Todas estas batalhas são dominadas por uma distância plástica que as transforma em verdadeiros balés, ritmados por uma montagem, em certos instantes, digna do melhor cinema soviético: um insert , magnífico dos canos das metralhadores marca a maioria destas sequências. A cena pivô do filme, uma briga de mais de dez minutos entre John Nada e seu colega Frank (que ele obriga a usar os famosos óculos) ilustra dois princípios hitchcock-hawksianos. O primeiro, hitchcockiano, é que tudo deve ser utilizado para as necessidades de uma cena (como o avião de Intriga Internacional que fumiga Cary Grant). O intérprete de Nada, Rodney Piper, é um ex-lutador: e nesta lógica ele deve, a um momento ou outro, brigar. O segundo, herdado das brigas iniciáticas de Hawks ou Ford, é menos uma homenagem que uma necessidade: trata-se para Frank, o negro, de sofrer a dor a fim de melhor ver . Diante da papa em que se tornou o cinema comercial americano, este mal é necessário: já o era para o herói de Comando Assassino de Romero, e também o é para aqueles de Carpenter. Eles Vivem soube reencontrar esta beleza e este discurso da produção B americana, que se podia dar por desaparecidos: isto é excepcional.