Esta gravidade da proposta de Carpenter nunca é, felizmente, explicitada
verbalmente no filme. Em total adequação com seu tema, Carpenter prefere mostrar,
através de longas sequências quase mudas, a extensão do mal ao criar um sentimento de
inquietude e agonia constante, arte na qual ele se tornou mestre (assim como na utilização
da trilha, tão opressora quanto possível). O resultado de Eles Vivem é deslumbrante,
notadamente em seu controle do scope, formato ingrato que Carpenter emprega para
isolar os personagens, alienando-os no quadro, acetuando este efeito ao filmá-los em
espaços fechados, com pespectiva de profundidade limitadas (ruelas, corredores, becos).
Quanto ao aspecto “guerrilheiro” que alguns censuram no filme (a luta a mão
armada entre os resistentes e os invasores), ele não faz com que Carpenter caia nas
armadilhas do filme de gênero (filme de ação). Todas estas batalhas são dominadas por
uma distância plástica que as transforma em verdadeiros balés, ritmados por uma
montagem, em certos instantes, digna do melhor cinema soviético: um insert , magnífico
dos canos das metralhadores marca a maioria destas sequências. A cena pivô do filme,
uma briga de mais de dez minutos entre John Nada e seu colega Frank (que ele obriga a
usar os famosos óculos) ilustra dois princípios hitchcock-hawksianos. O primeiro,
hitchcockiano, é que tudo deve ser utilizado para as necessidades de uma cena (como o
avião de Intriga Internacional que fumiga Cary Grant). O intérprete de Nada, Rodney Piper,
é um ex-lutador: e nesta lógica ele deve, a um momento ou outro, brigar. O segundo,
herdado das brigas iniciáticas de Hawks ou Ford, é menos uma homenagem que uma
necessidade: trata-se para Frank, o negro, de sofrer a dor a fim de melhor ver . Diante da
papa em que se tornou o cinema comercial americano, este mal é necessário: já o era para
o herói de Comando Assassino de Romero, e também o é para aqueles de Carpenter. Eles
Vivem soube reencontrar esta beleza e este discurso da produção B americana, que se
podia dar por desaparecidos: isto é excepcional.