“ELES VIVEM, John Carpenter, 1988”, por Nicolas Saada.
Fonte: http://focorevistadecinema.com.br/foco3/jornalcarpenter.htm
Apocalypse Now
O filme se abre num clima de errância que caracteriza o cinema de Carpenter e
sua filiação ao western e aos seus heróis solitários. O herói é John Nada (interpretado por
Rodney Piper, ex-lutador) que chega, bolsa nas costas, a Los Angeles para encontrar um
emprego. Nada, sem abrigo nem trabalho, é recebido por uma pequena comunidade de
desempregados e vagabundos, localizada próxima a uma igreja, onde entrará em contato
com resistentes que lutam impetuosamente contra invasores misteriosos que controlam a
população. John Nada é, evidentemente, o próprio John Carpenter que, desde seu grande
fracasso comercial, Os Aventureiros do Bairro Proibido , voltou à produção B após seu
purgatório em diferentes majors hollywoodianas. É assim, com nada , que Carpenter
recomeça. Se é possível arriscar essa analogia, é porque Carpenter seguiu um trajeto
(produção B-televisão- majors -produção B) comparável ao de seu personagem em Eles
Vivem .
Em 1982, Carpenter declarou à Cahiers du Cinéma (nº339), a propósito de seu
primeiro passo com as majors : “Uma parte do charme de Assalto à 13º DP ou de Halloween
devia-se ao fato de que não havia dinheiro suficiente para mostrar as coisas. Ao contrário,
hoje me dão dinheiro para mostrá-las, então é necessário fazê-lo”.
Mostrar: é o próprio tema de Eles Vivem (e a função de seu herói); certamente
um tema cinematográfico, mas também, para Carpenter, uma preocupação moral que o
aproxima de Fritz Lang. Eles Vivem ilustra, na verdade, o velho adágio languiano segundo o
qual a aparência não é a r ealidade, o visível não é a verdade. Provocação de Carpenter ao
espectador que não consegue mais fazer a triagem das imagens que lhe são enviadas
cotidianamente. Nada é ao início bastante ingênuo, crédulo (como poderia ter sido Carpenter
no início dos anos 80 antes de seu fracasso nas majors ): “ Eu acredito na América, eu estou
dentro do sistema ”, declara ao início do filme. Depois, graças aos óculos escuros fabricados
pela resistência (a produção B) espécies de “eecoeificaeores portáteis”, Nada terá a prova de
que não se pode confiar no sistema: este que rege a América de hoje é nada mais que o fruto
de um vasto complô fomentado por extraterrestres (auxiliados por humanos sem
excrúpulos) que embrutecem a população lhes transmitindo mensagens subliminares
primárias ( “não pensem”, “não reflitam”, “submetam-se”, “consumam”, “reproeuzem-se”, “o
dinheiro é seu Deus” ). Este horror da realidade é mostrado bastante curiosamente através
de imagens em preto e branco, que revelam esta visão decodificada do mundo. Carpenter
poderia ter recorrido a outros estratagemas visuais: na verdade, este preto e branco
pertence a um cinema de ontem (Hawks, citado por Carpenter como um pai em sua cinefilia)
que joga nova luz sobre a face absolutamente inumana da América deste fim de anos 80. A
fonte de emissão destas mensagens é naturalmente a televisão e seus programas (outro
câncer do cinema americano), que a resistência tenta sabotar, em vão, através de
transmissões clandestinas: John Nada e seu colega negro Frank vão destruir, fuzis às mãos,
a estação televisiva. Assim, Eles Vivem , é também a história de uma mini insurreição que se
pode interpretar ao mesmo tempo como política e, em outra medida, como cinefílica.