Catálogo Cine FAP Fim do Mundo | Page 13

Trechos do texto: Da impureza como categoria política por Christofer Pallú e Fernando Costa
Ficção científica pueril: Fim dos tempos
“ Só se pode falar de maneira eufemística sobre o que é incomensurável com toda a experiência, assim como alguém fala na Alemanha do assassinato dos judeus. Tornou-se um a priori total, de forma que a consciência, atordoada, não mais assume uma posição a partir da qual possa refletir esse fato. O desesperador estado das coisas fornece- com medonha ironia- um meio de estilização que proteja essa precondição pragmática de qualquer contaminação pela ficção científica pueril.”
Theodor W. Adorno –“ Trying to uneerstane Endgame”
Nossas categorias políticas não falham apenas na inaptidão de organizar um coletivo em meio à exceção política, mas também frente à incapacidade de narrar a própria catástrofe. Isso se manifesta, em O tempo do lobo, na bela cena em que uma das personagens escreve uma carta ao pai morto. Não se trata apenas de se questionar sobre“ o que narrar”, também cabe a pergunta:“ para quem narrar?”. O colapso da sociedade implica a perda do“ outro” a quem( e com quem) se pode constituir uma narrativa – é necessário inventar tal interlocutor; é o que Eva( Anaïs Demoustier) faz ao escrever seu breve relato sobre a vida após o fim. Esse mesmo dilema já havia sido elaborado por Adorno em seu texto fundamental sobre Fim de Partida, de Samuel Beckett: é o dilema de tentar narrar a catástrofe radical, quando a própria narração se torna impossível, quando o colapso social destitui aquele a quem e com quem construímos política e socialmente tal narrativa; quando o cataclismo, nos dizeres de Adorno, constitui um“ a priori” indizível, e qualquer tentativa de explicá-lo, de pronunciá-lo até, não gera mais que uma inócua“ ficdão científica pueril”. Tal é tônica também de Fim dos tempos( The Happening, 2008), de M. Night Shyamalan. Adorno 1982, p. 123.
Se os filmes de Romero e Haneke exploravam o colapso social como um colapso político, reduzindo relações sociais à selvageria, mostrando a incapacidade de indivíduos e grupos lidarem com uma catástrofe, Shyamalan destitui essas relações quase que completamente. O problema de incompreensão e incomunicabilidade entre indivíduos( generalizado ao nível da sociedade como um todo) é dado desde o início dos eventos, com cenas mostrando todo tipo de grupo na tentativa de racionalizar por que e como estão ocorrendo os suicídios em massa. Nos meios de comunicação, explicações para os eventos e suposições várias sobre o que está levando as pessoas a cometerem tais atos que são prontamente desmentidas nas cenas seguintes. As relações entre indivíduos permanecem completamente abstratas por toda a duração do filme, sendo reações diretas a essa ameaça externa que não podem compreender – sua interação se dá apenas para tentarem descobrir um modo de escapar da morte.