Você sente fome de que? Comida De Alma
“Comida de alma é aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora de dor, de depressão, de tristeza pequena. Não é, com certeza, um leitão pururuca, nem um menu nouvelle seguido à risca. Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a infância e o costume. É a canja da mãe judia, panaceia sagrada a resolver os problemas de náusea existencial. O macarrão cabelo de anjo cozido mole e passado na manteiga. O caldo de galinha gelatinoso, tomado às colheradas. São as sopas. O leite quente com canela, o arroz doce, os ovos nevados, a banana cozida na casca, as gelatinas, o pudim de leite. Nora Ephron, autora de A difícil arte de amar, com o casamento acabado, grávida, enjoada, traída, vota pelo consolo da batata: "Nada como um bom purê quando se está deprimido. Nada como ir para a cama com um prato fundo de purê de batata já saturado de manteiga e metodicamente ir adicionando mais uma fatia fina de manteiga a cada garfada". Comida de alma tem de ser neutra. Sorvete é comida de alma? Não é. Tem um pique gelado que a tristeza não suporta. A temperatura deve estar entre ambiente e morna. Chocolate vale? Não, nem pensar. É sexy, sedutor, pressupõe prazer e culpa. Tudo tem de ser especial na comida de alma. A tia Léonie ,de Proust, comia seus ovos com creme em pratos rasos, com desenhos e legendas. Punha os óculos e decifrava contente: " Ali Babá e os quarenta ladrões", ou "Aladim e a lâmpada maravilhosa". O mingau de aveia ou fubá pode ser em prato fundo, o quadrado de manteiga se derretendo por cima. O leite em boa caneca grossa, o chá em xícara inglesa florida, e, para casos extremos, a mamadeira, é claro. A comida, de preferência, deve ser bebida aos goles ou tomada de colher. A faca é quase sempre supérflua. Um livro português trata do assunto, mostrando que a preocupação com comidas de alma vem de longe. É O Cozinheiro Indispensável (Porto, 1844), que traz um subtitulo enigmático: Guia prático dos enfermos pobres, dos doentes ricos e dos convalescentes remediados. Dá receitas como o caldo confortativo, uma papinha pastosa, de se comer com lágrimas nos olhos...”
Os hábitos responsáveis por automatismos de comportamento precisam ser identificados por quem os ensina e por quem os aprende. O prazer e a satisfação proporcionados pelo alimento estão sempre em construção, apresentando evoluções para uma nova aprendizagem e, consequentemente, uma vida saudável. Saudável esse que consiste em qualidade, bem-estar, como uma forma de se envolver as fragilidades e ao mesmo tempo as potencialidades dos idosos. E todos os significados que a palavras trás.
Como diz Freire (2005, p. 47), “o ensino criou possibilidades para a sua própria produção ou construção de saber”. E é exatamente com essa sensação que expresso os momentos divididos neste campo prático, onde a remodelação da realidade teve muito mais a aprender do que ensinar. Onde aprendi como ser humano que, antes de querer ensinar qualquer coisa, é preciso sentir. Sentir a energia, sentir o calor, sentir o ouvir, sentir o falar. É preciso sensibilidade e humildade para tocar no mundo do outro, no espaço, na ferida, nos anseios e perspectivas.
A educação nos leva ao espaço onde podemos tocar o outro através de práticas saudáveis, onde o alimento está inserido e pode ser o ponto central ou não. Nessa prática o alimento no qual falamos foi o alimento da alma, aquele que antes mesmo de se pensar em comer ele já se transfigurava nos rostos, olhares, falas e gestos. Os saberes e sentimentos contidos naquele território exalavam a necessidade da expressão. Foi indispensável e necessário reconhecer e valorizar com o ouvir, com o toque, com a presença.