Caderno de Resumo do III SIICS Caderno de Resumos do III SIICS | Page 189
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“MISTÉRIO” OU NATURALIZAÇÃO DA HETERONORMATIVIDADE EM UMA
SOMBRA NA PAREDE DE JOSUÉ MONTELLO: APRISIONAMENTO DE CORPOS
E DE DESEJOS ABJETOS
Nilvanete Gomes de Lima
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Sandra Maria Nascimento Sousa
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RESUMO: O corpo sexuado não é “natural”. O gênero seria o resultado de tecnologias
sofisticadas que produzem corpos-sexuais. Entretanto, há corpos que escapam ao processo de
produção dos gêneros inteligíveis e, ao fazê-lo, desobedecem às normas de gênero.
Experiências de trânsito entre os gêneros demonstram que não somos predestinados a cumprir
os desejos de nossas estruturas corpóreas e revelam as possibilidades de transformação dessas
normas. Em uma perspectiva queer, acredito que o julgamento e a danação dos comportamentos
ditos “anormais” estariam relacionados à abjeção. Como processo discursivo, a abjeção refere-
se a corpos cujas vidas não são consideradas vidas e cuja materialidade é entendida como não
importante. Nessa perspectiva estudei o romance de Montello, Uma sombra na parede,
publicado em 1995, que apresenta uma história de amor entre duas mulheres, misturando ficção,
memória e história. A temática de homens que amam homens e/ou de mulheres que amam
mulheres não é inédita na produção literária brasileira. Em 1895, Adolfo Caminha já havia
narrado um amor entre dois rapazes, no romance intitulado Bom-Crioulo, assim como em O
ateneu, de Raul de Pompéia e O cortiço, de Aluísio Azevedo, onde há amores entre rapazes e
entre moças. Também há mulheres amando mulheres em O primo Basílio, de Eça de Queiróz e
em Papéis avulsos, de Machado de Assis, no conto D. Benedita, cujo trecho narrativo da cena
serve de epígrafe em Uma sombra na parede. Este romance é um dos últimos de Montello,
embora esteja longe de ser um marco em sua carreira, talvez porque seja o olhar masculino que
marca a narrativa, que naturaliza as relações heterossexuais e, talvez por isso, não consegue ver
como normal o amor homossexual. É preciso lembrar que Montello é um homem branco,
membro da Academia Brasileira de Letras, heterossexual, maranhense, mas residente mais da
metade de sua vida no Rio de Janeiro que, rememorando as lembranças de sua cidade natal, irá
contar a história de Ariana, se colocando como escritor e narrador ao mesmo tempo. Estudo,
portanto, esse enredo, ao mesmo tempo “dramático e trágico” como “criação e testemunho”
para relatar as cenas vivas da dinâmica da abjeção, do “entre-dois”, do “ambíguo”. Nesse
sentido, a literatura pode ser tomada como um ritual, na medida em que, tendo ocupado o lugar
do sagrado veste-se com o poder do horror para, simultaneamente, resistir e desvelar o abjeto,
como argumenta Julia Kristeva (1982).
Palavras-chave: Abjeção; Heteronormatividade; Literatura; Estudos queer.