C U V E T E 2017 | Page 51

Numa entrevista anterior sobre o documentário Alfaião afirmaste que é a própria aldeia do Alfaião a protagonista do documentário. Poderemos, neste caso, olhar para a tua curta-metragem como uma viagem ao interior do personagem onde as suas múltiplas facetas ou elementos vão permitindo ao espectador ir lentamente criando um todo unitário mas complexo?

Sim, porque este filme é um retrato contemplativo. Ou seja, é como montar um puzzle. No final da montagem/filme, todas as peças/cenas formam um retrato da aldeia de Alfaião.

Ao longo da curta-metragem somos confrontados essencialmente com os sons da aldeia, talvez por isso sobressaem tanto os breves diálogos ou a reza pelo pão. O que levou à escolha destes momentos?

Durante 9 dias seguidos em janeiro de 2016, eu vivi/gravei o dia-a-dia desta aldeia. No fim das gravações, eu tinha cerca de 1/3 da população filmada, o que é uma amostra bastante significativa. Na edição, revi todo o material que gravei e escolhi um bocadinho de cada momento relevante e diferente sem repetir e tive que encontrar um propósito para fazer ligação entre aquela cena e a cena seguinte, porque não há entrevistas que ajudem a fazer a ligação entre cenas. Em relação ao som, é normal que sobressaia porque os sons da aldeia são agradáveis, ao contrário dos sons citadinos que são desagradáveis. Por exemplo, numa cena há intencionalmente o som ambiente sobreposto a uma conversa.

Comparando a protagonista deste documentário com o protagonista do teu outro documentário O Barbeiro Guitarrista, e tendo em atenção que são obras bastante distintas, ressalta curiosa a ausência do passado ou da história da personagem “Alfaião” para sermos confrontados com um retracto da aldeia na sua existência presente. Ainda assim, acreditas que essa memória ou passado do espaço e das pessoas que o habitam emerge desde dentro desse presente?

Acredito! O presente é a consequência do passado. Aliás, se estivermos atentos em algumas cenas iremos reparar em pormenores que remontam para isso.