CORAGEM
Etty HillesuM
uma vida transformada
PATRICK WOODHOUSE
“
Querido Deus, estamos em
tempos de ansiedade. Esta
noite… fiquei deitada no
escuro com os olhos a arder,
enquanto cena após cena de
sofrimento humano ia passando
diante de mim… Vou tentar
ajudar-te, meu Deus, a evitar
que a minha força se dissipe,
embora não o possa garantir
antecipadamente. Contudo,
uma coisa se vai tornando
cada vez mais clara para
mim: que Tu não nos podes
ajudar, que temos de ser nós a
ajudar-te para nos ajudarmos
a nós próprios. E é isso que
podemos «arranjar» nestes dias,
e também é isso que realmente
importa: que salvaguardemos
esse pedacinho de ti, meu Deus,
dentro de nós… Infelizmente,
não parece haver muito que
Tu próprio possas fazer pela
nossa situação, pela nossa vida.
Mas também não te considero
responsável. Tu não nos podes
ajudar, mas nós temos de te
ajudar a ti e de defender o lugar
da tua morada dentro de nós
até ao fim.
ETTY HILLESUM
p
atrick Woodhouse pretende, com este ensaio proporcionar ao leitor a oportuni-
dade para mergulhar em profundidade na extraordinária vida de Etty Hillesum
(percurso biográfico e espiritual). Desenvolve a sua investigação, a partir do
intenso Diário de Etty e das suas cartas, escritas no campo de trânsito de Westerbork
(entre 1942-43).
Patrick Woodhouse pretende, com este
ensaio proporcionar ao leitor a oportunidade para
mergulhar em profundidade na extraordinária
vida de Etty Hillesum (percurso biográfico e espi-
ritual). Desenvolve a sua investigação, a partir do
intenso Diário de Etty e das suas cartas, escritas no
campo de trânsito de Westerbork (entre 1942-43).
Etty Hillesum nasce em Janeiro de 1914, em
Middelburg, na Holanda, no seio de uma família
judia (pai holandês e mãe russa). Tem dois irmãos
mais novos: Japp (medicina) e Micha (música).
Ambos são brilhantes nas suas áreas mas sofrem
de problemas psicológicos. Etty provem de uma
família “profundamente perturbada”: os seus
pais têm temperamentos incompatíveis. Este
ambiente pode ter influenciado fortemente Etty
e os seus irmãos. Estuda Direito e línguas eslavas.
O início da sua transformação dá-se quando
conhece o terapeuta Julius Spier e começa a
escrever o diário a 9 Março de 1941, a pedido
deste. Spier, iniciador da vida espiritual de Etty,
fornece-lhe os meios para o início da sua meta-
morfose: com ele aprende, pela primeira vez a
pronunciar o nome de Deus, a ler o Antigo e o
Novo Testamento, os evangelhos (São Mateus),
Santo Agostinho, Tomás Kempis, Mestre Eckhart,
e Rainer Maria Rilke. Dá-se o despertar espiritual
na prática da oração. Esta vida nova proporciona
a Etty a possibilidade de viver a vida de forma
inteira e desperta. Os momentos de recolhimento
e de solidão constituem para Etty ocasiões de for-
talecimento interior e predisposição para a escuta.
Etty quis ser testemunha, em Westerbork, do
Deus vivo num dos períodos mais sombrios do
século XX, quando os outros só viam o silêncio de
Deus ela disse que “tem de haver alguém que viva
tudo isto e dê testemunho do facto de que Deus
continuou a viver, até mesmo em tempos como es-
tes. E porque não havia de ser eu essa testemunha?”
Etty Hillesum consegue reflectir sobre a
adversidade e sobre o mal absoluto, ao mesmo
tempo, que vai descobrindo a presença de Deus
na sua vida. Trata-se de uma figura inspiradora
no seu tempo e continua a ser uma revelação
para todos quantos têm a oportunidade de “to-
car” a sua vida através da obra que nos legou.
O mais notável é que o que ela viveu “não
amargurou nem adormeceu o seu coração”.
Apesar de ter vivido no meio do sofrimento
mais atroz do século XX, é portadora de uma
“espiritualidade de esperança”, “rica imagi-
nação espiritual e sentido da profundidade
interior” vertida na sua escrita, tendo conse-
guido encontrar sentido e beleza até ao fim (a
30 de Novembro de 1943, em Auschwitz) ao
ponto de dizer: “Vou tentar ser uma oração”.
Ao lermos esta obra podemos fazer nossas
as palavras do autor quando afirma que “a
sua corajosa história leva-nos a compreender
profundamente a natureza de Deus e como o
sofrimento e os desgostos podem ser redentores
e não destrutivos. Essa compreensão emergiu das
lutas da sua vida interior, e as inspirações que ela
extraiu da mesma não foram facilmente conquis-
tadas. Aquilo que testemunhamos no seu diário, e
através das cartas por ela dirigidas a amigos, é um
combate para continuar a viver com esperança e
integridade mesmo quando o mundo à sua volta
desmorona. As suas maiores armas, nesta luta,
são o amor pelas pessoas, o seu profundo sentido
de Deus dentro de si e a sua paixão pela verdade.”
P O R AG O S T I N H O FA R I A , U S A DO CO M P E R M I S S ÃO. P U B L I C A DO E M W W W . I M I S S I O. N E T , E XC E R TO S E X T R A Í DO S D E
E T T Y H I L L E S U M - U M A V I DA T R A N S F O R M A DA , D E PAT R I C K W OO D H O U S E , P U B L I C A DO P O R PAU L I N A S E D I TO R A , L I S B OA
26
JUL-AGO 2017