PRODUÇÃO NACIONAL
ANTEVISÃO - PRIMEIRO CAPÍTULO
A Viagem
C . S . Lewis
PARECIA ENCONTRAR-ME NUMA FILA para apanhar o autocarro , que se estendia ao longo de uma rua sem beleza . A tarde caía e chovia . Durante horas vagueei por ruas igualmente sem beleza , sempre debaixo de chuva e sempre ao crepúsculo .
O tempo parecia ter parado nesse momento sombrio quando apenas algumas lojas tinham acendido as luzes , não estando ainda suficientemente escuro para as suas montras revelarem o seu encanto . E tal como a tarde nunca mais se tornava em noite , assim a minha caminhada não me levava aos melhores bairros da cidade .
Por mais que caminhasse apenas encontrava pensões decrépitas , pequenas tabacarias , tapumes de onde pendiam cartazes rasgados , armazéns sem janelas , boas estações sem comboios e livrarias do tipo das que vendem As Obras de Aristóteles .
Nunca me cruzei com ninguém . Mas para a pequena multidão à espera do autocarro , toda a cidade parecia deserta . Penso que foi por essa razão que decidi juntar-me à fila . Fui de imediato bafejado pela sorte porque , mal ocupei o meu lugar , uma mulherzinha irritada que estava à minha frente come çou a discutir com um homem que parecia ser seu acompanhante : — Muito bem . Não vou ! — E saiu da fila . — Nem penses que me importo minimamente de ir — respondeu o homem , em tom muito educado . — Só estava a tentar agradar-te , para manter a paz . Mas o que sinto não tem importância . Percebo isso muito bem — e , juntando os atos às palavras , também se afastou .
“ Vá lá ,” pensei com os meus botões , “ são menos dois à minha frente ”.
Estava agora próximo de um homem baixinho , com ar carrancudo , que me olhou de relance com uma expressão de profundo desagrado e comentou , num tom de voz desnecessariamente elevado , para o homem à sua frente :
— Este é o tipo de coisas que nos faz pensar duas vezes se vale mesmo a pena ir .
— Que tipo de coisas ? — Resmungou o outro , um homem corpulento .
— Bem , a verdade é que este não é o tipo de gente a que estou habituado — disse o Baixinho .
— Ei ! — Retorquiu o Grandalhão e acrescentou de seguida , olhando para mim . — Não lhe dê confiança , amigo . Não está com medo dele , pois não ?
Depois , vendo que eu não esboçava qualquer gesto , virou-se de repente para o Baixinho :
— Já vi que para si não prestamos para nada , pois não ? Não seja maldizente !
De seguida , atingiu o Baixinho com um murro no rosto , fazendo-o cair na sarjeta .
— Deixem-no estar aí , deixem-no estar — disse o Grandalhão para ninguém em particular . — Não passo de um homem simples e tenho os meus direitos como qualquer outro , não ?
Como o Baixinho não mostrava nenhum interesse em reocupar o seu lugar na fila , começando a afastar-se a coxear , aproximei-me cautelosamente e fiquei atrás do Grandalhão , satisfeito comigo próprio por ter avançado mais um lugar .
Momentos depois , dois jovens que estavam à frente dele também se foram embora , de braço dado . Ambos usavam calças , eram elegantes , riam e falavam em falsete . Não tive a certeza do sexo de cada um deles , mas era evidente que naquela altura ambos preferiam a companhia um do outro à oportunidade de um lugar no autocarro .
— Não vamos caber todos — lamentou uma voz feminina , cerca de quatro lugares à minha frente .
— Troque de lugar comigo , por cinco moedas , minha senhora — propôs-lhe alguém .
20
JUL-AGO 2017