E
m várias passagens, Platão insiste em que é indispensável para a
sobrevivência do Estado que cada cidadão e cada classe desempenhem
apenas uma função, aquela para a qual estejam mais preparados. Tão importante
quanto o fato de que a divisão do trabalho e a especialização aumentem a
eficiência coletiva, ele quer demonstrar com isso sua concordância com o princípio
da virtude, como sinônimo de excelência nas artes e nas técnicas que cada um
a Política
pode desempenhar. Tal como faz em outro livro,
, ele insiste na
importância da categorização de todas as coisas, lembrando que cada uma possui
uma natureza, uma função própria que determina sua essência, ou seja as
características que a definem, o que vale tanto para os seres vivos quanto para os
inanimados. A especialização que ele tanto defende não se refere apenas a razões
pragmáticas, mas indica também uma filosofia finalística, segundo a qual todas as
coisas estão naturalmente destinadas a cumprir um determinado papel.
Subjacente a uma argumentação extremamente complexa, ele mostra que há
uma perfeita correlação entre a cidade e a alma humana. A razão corresponde no
ser humano à sabedoria que governa à cidade; o valor é decorrência da parte
emocional e irracional da alma e corresponde à classe dos guerreiros. Por fim, os
desejos e apetites correspondem à terceira classe. A justiça nos seres humanos,
portanto, corresponderá à necessidade de que a razão se equilibre com a parte
irracional da alma, para que se possa subjugar os apetites.
Nessa mesma obra, Platão classifica os regimes políticos conhecidos. O primeiro é
aristos
krátos
a aristocracia, de
(melhor) +
(força, poder, regime) a forma
pura de governo que ele defende, já que, segundo sua concepção, orientando os
governantes suas ações pela busca do bem, não haverá injustiças. Esta forma
pura, porém, não pode, de acordo com o autor, manter-se indefinidamente. Chega
um momento, diz ele, em que os guardiões se descuidam de sua educação e se
tornam indignos dos cargos que ocupam, preocupados mais com seus próprios
interesses, do que com os da cidade. Nesse momento, o estado ideal se desfaz e a
aristocracia se transforma em timocracia, na qual os guerreiros dominam o poder,
oprimem os inferiores e se enriquecem, daí a designação de timocracia, termo
thymos
krátos
formado de
(rico) +
(regime, governo). Nesse regime, a
recompensa não é o dinheiro, pois os governantes são ricos, mas as honrarias.
Platão reconhece que é uma forma injusta, mas ainda assim superior a outras,
pela circunstância de que suas referências são o valor e a honra. Quando os
militares que tomam o poder se tornam ricos, o regime se transforma numa
oligarquia, o governo de poucos que se exerce sobre uma multidão empobrecida.
Neste regime o valor máximo é a riqueza.
A injustiça se generaliza e leva os pobres a sublevar-se e pôr fim aos oligarcas,
levando ao surgimento da democracia. Platão taxa esse regime de injusto, porque,
na sua concepção, o povo não está preparado para exercer o poder, por não ter
recebido a educação adequada para tanto. A extrema liberdade que se estabelece
autoriza todo tipo de abusos e o desprezo pela lei se generaliza, degenerando em
anarquia palavra que significa a falta da ordem, do poder, do governo.