As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 39

Entre 2003 e 2010, o relativo boom das economias capitalistas, só detido pela crise financeira de 2008, e a expansão econômica e comercial da China fizeram com que as exportações crescessem e tornaram possível o reforço das políticas sociais do governo federal. Cerca de 35 milhões de brasileiros saíram da pobreza. Políticas agressivas de transferência de renda (a conhecida Bolsa-Família), associadas ao incremento do crédito para aquisição de bens de consumo, produziram uma modificação importante na fisionomia da sociedade. Uma nova classe de consumidores, ávidos pela aquisição de bens a que jamais haviam podido ter acesso, dinamizou o mercado interno e, com o tempo, criou outra situação social no país, de maior mobilidade e diferenciação. Tudo parecia ser vento a favor. O Brasil tornava-se potência regional, o 6° país em tamanho do PIB, influente na América Latina, na África, entre os Brics. Objeto de admiração de muitos, com sua indústria que se mantinha e uma experiência anticíclica que chamava atenção. A sensação era de que o Brasil finalmente havia entrado no “primeiro mundo”. Mas, enquanto o discurso oficial pregava que as políticas governamentais eram eficientes e que os rumos do progresso social estavam sendo firmemente traçados, a população sentia que a vida não mudava, a não ser de modo tópico e pontual. Permanecia em estado de espera, mastigando o pão duro da vida cotidiana e assistindo à reprodução das mazelas crônicas do país. Melhoraram os mais pobres (os 35 milhões), mas não melhoraram todos, nem a maioria. E mesmo essa melhoria não foi suficiente para resgatar de forma plena os mais pobres. Se o país ia de fato tão bem, como explicar a péssima situação da infraestrutura, a educação e a saúde pública de má qualidade, a criminalidade e a degradação das cidades? Os que ganharam em termos de poder de compra, assim como os que não saíram do lugar, passaram a viver na esperança de I. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política 37