ANTONIO - A SUA MAIS NOVA REVISTA - SAÚDE - Primeira Edição ANTONIO - A SUA MAIS NOVA REVISTA - Primeira Ediç | Page 28

Pois é: se ainda não dá para afirmar que or- gânicos previnem câncer, o caminho inver- so, que bota os pesticidas no banco dos réus, já está mais consolidado. Diversos agrotóxi- cos são elencados pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês) como provavelmente carcinogênicos em humanos. Três deles surgem na classifi- cação 2A, a segunda mais robusta em evidên- cias: glifosato, malathion e diazinon, todos em uso atualmente no Brasil. “Mas o registro do produto só é aprovado se a segurança ao consumidor está garantida e a fração de resí- duos que podem permanecer nos alimentos é bastante pequena”, pondera Andreia Fer- raz, gerente de Ciência Regulatória da Asso- ciação Nacional de Defesa Vegetal, entidade a favor da utilização de agroquímicos. Só que os especialistas em saúde não concordam muito com essa afirmação, em especial no caso do glifosato, um dos mais populares por aqui. “Não existe limite segu- ro para a exposição a agentes com potencial para causar câncer. Pelo princípio da precau- ção, ele deveria ser proibido”, afirma Marcia Scarpa, toxicologista do Instituto Nacional de Câncer (Inca). “Sem dúvida os agricul- tores correm maior risco, porque manipu- lam diretamente os produtos. Mas existem evidências científicas claras da presença de resíduos dessas substâncias nos alimentos comercializados”, completa a especialista. “O glifosato bloqueia uma via metabólica que inibe o crescimento da planta. Só que essa via não existe em animais, o que contri- bui para sua baixa toxicidade nos humanos. Se usado de acordo com a bula, ele é seguro para o consumidor”, contrapõe o toxicolo- gista Flavio Zambrone, pesquisador do Gru- po de Informação e Pesquisa sobre Glifosato (Gipeg). O enrosco: esse emprego correto não corresponderia à realidade. “Há uma banalização do uso do agrotóxico e erros de aplicação. Para piorar, a fiscalização é insu- ficiente, o que é esperado, porque estamos num país gigante”, comenta Mariella Uzeda, agrônoma e pesquisadora da Embrapa. 32 • SAÚDE É VITAL • JANEIRO 2019 Para embolar a situação, não dá para con- firmar quanto agrotóxico consumimos. A única medida oficial de resíduos em alimen- tos vem do Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos da Anvisa. Ocorre que ele não é atualizado desde 2016 e só con- sidera itens in natura. No caso da água, por exemplo, que também sofre contaminação, a situação é preocupante. Uma portaria de 2011 do Ministério da Saúde permite até 500 microgramas por litro (µg/L) de glifosato no líquido potável, enquanto na Europa o limi- te é de 0,1 µg/L — valor 5 mil vezes mais rí- gido. “E a legislação obriga a análise somente de algumas substâncias. Várias outras nem sequer são medidas”, destaca o médico Ever Moronte, do Observatório dos Agrotóxicos da Universidade Federal do Paraná. E como ficam as compras? Apesar de o estudo francês não ser conclusivo e gerar debates acalorados, vale, sim, apostar nos orgânicos quando possível. O Inca reco- menda privilegiar a categoria como parte do estilo de vida que reduz o risco de câncer. Só não é para ficar bitolado, afinal é difícil mes- mo fugir dos agrotóxicos: eles estão presen- tes em quase tudo que comemos e bebemos. Para ter ideia, 99% da produção agrícola do país é convencional. Os orgânicos ainda são mais difíceis de achar e, muitas vezes, mais caros — embora dê para encontrar preços melhores fora dos supermercados. E que fique claro: mesmo que frutas, ver- duras e legumes sejam cultivados de forma convencional, os especialistas incentivam sua presença na rotina. É que os benefícios da classe parecem superar a possível ame- aça de agrotóxicos. “A última meta-análise [revisão robusta, que avalia estudos já feitos sobre um tema] estima que cerca de 20 mil casos de câncer ao ano poderiam ser evita- dos aumentando o consumo de vegetais, enquanto dez casos seriam provocados pela ingestão de pesticidas”, informa Juliana. A balança pesa positivamente para o que vem da terra, seja orgânico ou não. COM O MORAL LÁ EM CIMA Puxado pelo crescente interesse em um estilo de vida mais saudável, o setor de orgânicos vive um bom momento no país. Hoje, são 17 mil produtores certificados, e o mercado cresceu cerca de 10% ao ano na última década. Estima-se que, em 2018, o faturamento ficou em torno de 4 bilhões de reais. Se você quer levá-los para casa, mas o preço é um impeditivo, vale procurar os Grupos de Consumo Responsável (GCR), criados por consumidores que compram direto com os agricultores. Segundo o Instituto Kairós, uma cesta de 17 vegetais nessas organizações tem valor médio de 69 reais, enquanto a mesma lista no supermercado sai por 144 reais.