A crise não parece ter fim PD48 | Page 146

homem se transformou no maior predador dos animais por ele domesticados, sem que os mesmos entrassem em pânico, resistis- sem ou tentassem a fuga. (BARRAU, 1989). Após mais de 400 mil anos de haver se tornado bípede e ter dado início à ocupação das pradarias, sem renunciar completa- mente à fruição das florestas tropicais úmidas nas quais vários grupos de primatas ainda habitam, os humanos inauguram outra relação com a natureza, diferente do extrativismo que, a depender da intensidade do esforço de extração, coleta, caça e pesca, permi- tia uma completa resiliência. Nesta nova relação que foi fruto da primeira revolução agrícola, o homem passa a selecionar e a fomentar o cultivo de determinadas espécies de vegetais, rompendo com aquele equilíbrio que decorria da simples retirada sustentá- vel de animais e frutos, naturalmente disponibilizados. O cultivo de determinadas espécies se deu, principalmente, fora de onde medravam espontaneamente. Este local de plantio diferente que o homem descobriu como de grande potencial eram as várzeas dos rios caudalosos que, em decorrência dos ciclos hidrológicos, se tornavam disponíveis nos períodos de menor volume de água, umedecidas e fertilizadas naturalmente em decorrência do fenô- meno da colmatagem, deposição de partículas de nutrientes arrastados deste as nascentes até as fozes ou estuários. (GODE- LIER, 1995; FABIETTI, 1995). Estas intervenções dos primórdios da civilização humana, até mesmo quando visavam abastecer grandes cidades, já na era dos grandes impérios da Antiguidade Clássica, não chegaram a afetar o equilíbrio natural e nem gerar respostas defensivas da natu- reza, tipo A vingança de Gaia. 2 Contudo, o grau de intervenção sobre a natureza, existente desde tempos imemoriais, se acentua após a descoberta dos metais e sua utilização na fabricação de armas mais letais e de instrumentos de trabalho mais eficientes em termos de produtividade do esforço humano. Com armas mais letais, grupos populacionais deram início à conquista territorial, que se dava, em certos casos, em prejuízo de outros grupos que, uma vez derrotados, eram convertidos em escra- vos. A escravidão se tornou fonte de um processo de acumulação material que excedia às necessidades de sobrevivência, por instituir o trabalho imposto e não remunerado. O trabalho imposto incre- mentou a geração do excedente e da acumulação dando início a intervenções na natureza que iam além das necessidades da sobre- 2 Livro de autoria de James Lovelock, editado no Brasil, em 2006, pela Intrínseca. 144 Amilcar Baiardi