A Clava #1 (Out-Nov, 2018) | Page 8

totalmente inacessíveis às turbas, abandonadas a elas pró- prias. Pelo seu poder unicamente destrutivo, elas atuam como esses organismos que ativam a dissolução dos corpos debilitados ou dos cadáveres. Quando está apodrecido o edifício de uma civilização, as multidões provocam o seu desmoronamento e então que aparece o seu papel. Por um instante, a força cega do número se torna a única filosofia da história”. Estes são basicamente os alicerces que consti- tuem a política moderna. E a política contemporânea não poderia incorrer em menores erros tendo todo o seu funda- mento baseado em um campo puramente populista ou que se encerra num conjunto de concordâncias das mais varia- das formas e substâncias. A sociedade moderna, em sua sanha pelo conceito e aprovação de um pretenso povo, colocou seus sábios como subalternos e os subalternos como sábios; desdenhosos da civilização e da ordem como líderes e dirigentes e espirituosos e portadores de uma dignidade elevada como os párias do ouro e dos desejos. O poder manifesto da política moderna não tem nenhum fun- damento e organicidade a não ser a expressão da própria condição dos homens e as suas referências, suas urgências, seus clamores. É toda uma circunstância pessoal que abrange o domínio político na maioria dos casos, seja nos exemplos de seus líderes despóticos ou nas nuances buro- cráticas dos lideres liberais e totalmente desprovidos de uma retificação e uma estatura das responsabilidades de um verdadeiro líder. Via de regra temos homens incapazes de dominarem a si mesmos, todavia aspiram ao poder de formas variadas e constantes, que são provenientes do próprio seio da febre mental das urgências subterrâneas humanas. das coisas, pode se manter livre de quaisquer considerações apaixonadas, partidarizadas ou elucidadas nas correntes subterrâneas do ego político inflamado. Desde sempre o mundo manifesto apresentou e dignificou aquelas mentes de um exclusivismo civilizacional claro, por aqueles que seriam dignificados numa “equação pessoal” (pegando em- prestado o termo evoliano) e não nas aclamações de um vão imediatismo massificado. Esse tipo que fazemos alusão, como um expectador da polis, pode ser classificado como um covarde alguém que não tenha nenhum compromisso com a insanidade chamada de coragem. Para compreender os fundamentos ontológicos da coletividade sempre foi imperiosa uma certa necessidade de estar a parte dele, numa distância que não permitisse planar no mesmo baixo psicologismo, ou que não fosse contaminada (num sentido que Le Bon trata). Assim os grandes jogadores democráticos sempre vieram encontrando meios mais ou menos eficazes da manutenção de seus profanos poderes e superando o espírito populista mesmo estando dentro dele (e vivendo dele). Desde o século XX foi suprimida a ideia de uma orga- nicidade popular ou populista, como se tem pretendido em muitas figuras conhecidas do meio político, uma natureza puramente de cunho massificante entendida no seio das teorias coletivistas dessas figuras, foi deixada pra trás. O nascimento do parasitismo político é um fruto ordinário de todas as políticas de massas e os simulacros de uma pre- tensa “direita” de um passado não tão distante. Estas figu- ras, símbolos do poder burocrático atual, fizeram do campo político uma área de confortável observação dos fatos do povo, souberam identificar suas paixões mais imediatistas e jogar com elas, movimentando peças verbosas e retóricas ardilosamente num jogo de xadrez, onde também não há nenhuma dúvida que o lado rival não tenha outro objetivo senão uma manifestação diferente desse mesmo poder. A crua realidade das democracias liberais não pode ser per- cebida sem uma confrontação direta de sua própria condi- ção existencial. O povo, enquanto emanação do que deveria ser um conceito unitário, passa a ser gradativamente des- fragmentado em suas variantes e postos em conflitos de mediocridades emergentes. Plínio Salgado nos oferece algumas considerações acerca do tipo de homem que rege todos os aspectos sociais em seu “Reconstrução do Homem”: [...] Assistimos ao drama doloroso da transmutação do herói em vilão, do santo em pecador vulgar e rebaixado, do idealismo em imediatismo, do magnânimo em competidor nas concorrências de baixo nível. Aquela tranquila serenidade dos que de tudo abrem mão para só objetivar o sonho maravilhoso – alimentos da alma na transitoriedade desprezível dos caminhos da vida – desaparecem no íntimo do ser, que se apresenta conturbado e arrítmico nas suas atitudes e no seu comportamento”. Salgado foi um dos poucos teóricos ativistas políticos brasi- leiro que observou que em uma estrutura política bem fun- damentada precisava primeiro, reconstituir amplamente essa substância humana presente. Talvez as circunstâncias as quais tenha apresentado – a de um modelo político que não permitisse certas fugas e abstrações mais superáveis do viés doutrinário tenha solapado a oportunidade de um crescimento mais imperioso de seu movimento integralista, todavia é de uma louvável proposta o que se apresenta em suas obras. Prosseguindo: “O domínio do homem sobre o homem só se efetiva pela utilização das forças do espírito. Gustave Le Bon, um estudioso da psicologia das massas, descreve: “[...] as grandes destruições das civilizações antigas tem constituído o papel mais evidente das turbas. A história ensina que, no momento em que as forças morais, armadura de uma sociedade, perderam a ação, a dissolução final se efetuou por essas multidões inconscientes e brutais justamente qualificadas como bárbaras. As civilizações foram criadas e guiadas até aqui por uma pequena aristo- cracia intelectual, jamais pelas multidões. Estas últimas só tem força para destruir. O seu domínio representa sempre uma fase de desordem. Uma civilização implica regras fixas, uma disciplina, a passagem do instintivo ao racional, a pre- vidência do futuro, um elevado grau de cultura, condições 7