totalmente inacessíveis às turbas, abandonadas a elas pró-
prias. Pelo seu poder unicamente destrutivo, elas atuam
como esses organismos que ativam a dissolução dos corpos
debilitados ou dos cadáveres. Quando está apodrecido o
edifício de uma civilização, as multidões provocam o seu
desmoronamento e então que aparece o seu papel. Por um
instante, a força cega do número se torna a única filosofia
da história”. Estes são basicamente os alicerces que consti-
tuem a política moderna. E a política contemporânea não
poderia incorrer em menores erros tendo todo o seu funda-
mento baseado em um campo puramente populista ou que
se encerra num conjunto de concordâncias das mais varia-
das formas e substâncias. A sociedade moderna, em sua
sanha pelo conceito e aprovação de um pretenso povo,
colocou seus sábios como subalternos e os subalternos
como sábios; desdenhosos da civilização e da ordem como
líderes e dirigentes e espirituosos e portadores de uma
dignidade elevada como os párias do ouro e dos desejos. O
poder manifesto da política moderna não tem nenhum fun-
damento e organicidade a não ser a expressão da própria
condição dos homens e as suas referências, suas urgências,
seus clamores. É toda uma circunstância pessoal que
abrange o domínio político na maioria dos casos, seja nos
exemplos de seus líderes despóticos ou nas nuances buro-
cráticas dos lideres liberais e totalmente desprovidos de
uma retificação e uma estatura das responsabilidades de
um verdadeiro líder. Via de regra temos homens incapazes
de dominarem a si mesmos, todavia aspiram ao poder de
formas variadas e constantes, que são provenientes do
próprio seio da febre mental das urgências subterrâneas
humanas.
das coisas, pode se manter livre de quaisquer considerações
apaixonadas, partidarizadas ou elucidadas nas correntes
subterrâneas do ego político inflamado. Desde sempre o
mundo manifesto apresentou e dignificou aquelas mentes
de um exclusivismo civilizacional claro, por aqueles que
seriam dignificados numa “equação pessoal” (pegando em-
prestado o termo evoliano) e não nas aclamações de um vão
imediatismo massificado. Esse tipo que fazemos alusão,
como um expectador da polis, pode ser classificado como
um covarde alguém que não tenha nenhum compromisso
com a insanidade chamada de coragem. Para compreender
os fundamentos ontológicos da coletividade sempre foi
imperiosa uma certa necessidade de estar a parte dele,
numa distância que não permitisse planar no mesmo baixo
psicologismo, ou que não fosse contaminada (num sentido
que Le Bon trata). Assim os grandes jogadores democráticos
sempre vieram encontrando meios mais ou menos eficazes
da manutenção de seus profanos poderes e superando o
espírito populista mesmo estando dentro dele (e vivendo
dele). Desde o século XX foi suprimida a ideia de uma orga-
nicidade popular ou populista, como se tem pretendido em
muitas figuras conhecidas do meio político, uma natureza
puramente de cunho massificante entendida no seio das
teorias coletivistas dessas figuras, foi deixada pra trás. O
nascimento do parasitismo político é um fruto ordinário de
todas as políticas de massas e os simulacros de uma pre-
tensa “direita” de um passado não tão distante. Estas figu-
ras, símbolos do poder burocrático atual, fizeram do campo
político uma área de confortável observação dos fatos do
povo, souberam identificar suas paixões mais imediatistas e
jogar com elas, movimentando peças verbosas e retóricas
ardilosamente num jogo de xadrez, onde também não há
nenhuma dúvida que o lado rival não tenha outro objetivo
senão uma manifestação diferente desse mesmo poder. A
crua realidade das democracias liberais não pode ser per-
cebida sem uma confrontação direta de sua própria condi-
ção existencial. O povo, enquanto emanação do que deveria
ser um conceito unitário, passa a ser gradativamente des-
fragmentado em suas variantes e postos em conflitos de
mediocridades emergentes.
Plínio Salgado nos oferece algumas considerações acerca
do tipo de homem que rege todos os aspectos sociais em
seu “Reconstrução do Homem”: [...] Assistimos ao drama
doloroso da transmutação do herói em vilão, do santo em
pecador vulgar e rebaixado, do idealismo em imediatismo,
do magnânimo em competidor nas concorrências de baixo
nível. Aquela tranquila serenidade dos que de tudo abrem
mão para só objetivar o sonho maravilhoso – alimentos da
alma na transitoriedade desprezível dos caminhos da vida –
desaparecem no íntimo do ser, que se apresenta conturbado
e arrítmico nas suas atitudes e no seu comportamento”.
Salgado foi um dos poucos teóricos ativistas políticos brasi-
leiro que observou que em uma estrutura política bem fun-
damentada precisava primeiro, reconstituir amplamente
essa substância humana presente. Talvez as circunstâncias
as quais tenha apresentado – a de um modelo político que
não permitisse certas fugas e abstrações mais superáveis
do viés doutrinário tenha solapado a oportunidade de um
crescimento mais imperioso de seu movimento integralista,
todavia é de uma louvável proposta o que se apresenta em
suas obras. Prosseguindo: “O domínio do homem sobre o
homem só se efetiva pela utilização das forças do espírito.
Gustave Le Bon, um estudioso da psicologia das massas,
descreve: “[...] as grandes destruições das civilizações
antigas tem constituído o papel mais evidente das turbas. A
história ensina que, no momento em que as forças morais,
armadura de uma sociedade, perderam a ação, a dissolução
final se efetuou por essas multidões inconscientes e brutais
justamente qualificadas como bárbaras. As civilizações
foram criadas e guiadas até aqui por uma pequena aristo-
cracia intelectual, jamais pelas multidões. Estas últimas só
tem força para destruir. O seu domínio representa sempre
uma fase de desordem. Uma civilização implica regras fixas,
uma disciplina, a passagem do instintivo ao racional, a pre-
vidência do futuro, um elevado grau de cultura, condições
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