A Capitolina 8, agosto 2014 | Page 18

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vezes, desobediente, no entanto, é uma criança muito bondosa e carinhosa com sua família e seus amigos. Isso é que provoca empatia no leitor e, conseqüentemente, agrada-lhe. Percebe-se, portanto que, com exceção de O bichinho da maçã, que pertence ao gênero natureza/meio ambiente, O rei bigodeiro e sua banheira, que chama a atenção pelas riquíssimas ilustrações da corte, e Coleção gato e rato, do gênero aventura, em que a palavra assume uma musicalidade muito próxima à poesia, o tema, dentre todos os gêneros citados, mais recorrente nas obras mais consumidas pelo público infantil na década de 1980 é a própria criança e suas descobertas.

Na faixa etária em que a criança lê essas obras, começa seu processo de percepção do mundo, o que é retratado em Marcelo, marmelo, martelo, onde o menino Marcelo queria dar um novo nome a todos os objetos à sua volta de acordo com a função que exerciam. O mesmo ocorre em Além do rio, do gênero aventura, que, embora discorra sobre uma percepção diferente da retratada em Marcelo, marmelo, martelo, narra uma viagem pela região amazônica, descrevendo suas montanhas e vegetação, o que faz com que a criança conheça outros horizontes. A criança, ao mesmo tempo, começa a descobrir a si mesma, como mostram O menino maluquinho e a Coleção Corpim, pertencente ao gênero poesia, que chama a atenção para a questão do corpo e do autoconhecimento necessário a ela.

Já os jovens eram atraídos por histórias de suspense, que aguçam a curiosidade e prendem a atenção. As obras O mistério do cinco estrelas, que narra um assassinato em um hotel, e O rapto do garoto de ouro, que conta a história de um seqüestro de um rapaz que estava se tornando ídolo do rock, são exemplos de enredos que atraem o jovem, pois chegar até o final e descobrir o mistério dá a ele a sensação de desvendar um segredo e, assim, sanar sua curiosidade, tão estimulada ao longo de todo o livro. Trata-se do romance policial, que foi comumente adaptado aos jovens, em virtude de sua grande aceitação. Esse gosto, ligado à curiosidade, vem desde a época dos folhetins (século XIX), que consistiam em um suporte mais dinâmico e eram publicados nos jornais. Uma obra escrita na forma de folhetim chegava aos leitores, portanto, fragmentada, ou seja, em capítulos isolados, um por dia. Isso permitia que várias pessoas lessem a mesma obra ao mesmo tempo e poderia até incentivar o gosto pela leitura, uma vez que aguçava a curiosidade do público, que sempre esperava o próximo capítulo chegar. A emergência da narrativa policial, segundo Dubois (1992), corresponde a uma evolução das formas literárias, mesmo que essa evolução seja escondida por fenômenos nãoliterários. Dessa forma, o surgimento de um novo gênero revela uma mudança no campo das letras. Dubois (1992) mostra como o romance policial deriva, em larga escala, do folhetim, que se divide em diversos gêneros especializados (aventuras, antecipação, literatura para moças etc.), os quais buscam dar conta da diversidade do público.

A imagem do universo social como labirinto é emblemática nas duas formas de romance. No folhetim, a complexidade da narrativa procura dar conta da grande cidade, labirinto ao mesmo tempo espacial e social; no RP [romance policial] clássico, a trama se assenta em geral em um grupo social restrito, quase sempre a família. Da encenação da esfera pública se passa à encenação da esfera privada. Essa passagem do público ao privado (simbolizada ainda pelo “mistério do quarto fechado”) acompanha uma percepção modificada das relações de classe. Sumariamente, onde o folhetim, dentro de uma visão romântica, coloca em frente aristocracia e povo, unindo-os por misteriosas passarelas, o RP colocará uma classe “média”, embora a atração pela nobreza permaneça grande. (Almeida, s. d).

A outra obra que se destaca na preferência do jovem na década de 1980 é De olho nas penas, do gênero aventura, que, através da magia, discorre sobre as penas do mundo (o sofrimento, a violência o descaso com a natureza, etc.). Trata-se da história de um menino chamado Miguel que faz uma viagem maravilhosa mundo afora, sempre nas costas de um belo pássaro. Assim, ele desvenda os segredos do mundo e da América Latina, enquanto o pássaro mostra a ele quanta miséria, entre outros diversos problemas, o mundo enfrenta.