A Capitolina 4, abril 2014 | Page 9

Escrituras 8

qualquer narrativa literária, em toda narrativa literária existem episódios, ou seja, situações de equilíbrio e desequilíbrio, que se modificam, provocando a passagem de uma situação a outra. É nessa cadeia de episódios que se situam os conflitos e as soluções aos problemas que tanto nos prendem a atenção. A diferença é que, nos contos de fadas, a transformação é provocada pela intervenção uma ação mágica. Assim, os seres mágicos são tão importantes para o desenvolvimento da história quanto para o comportamento do herói.

Logo, todos os contos de fadas apresentam histórias de príncipes e princesas – heróis – que vivem situações terríveis criadas por seres malévolos – as bruxas - , mas, felizmente, contam com os seres mágicos: fadas, magos, anões. Por isso, os conflitos são provados por uma intenção maldosa contra uma pessoa de bem e só se resolve pelo encantamento. O herói sofre a perseguição do mal – a bruxa -, o que faz aumentar o conflito até o final, quando a virtude triunfa e o ser malévolo é impiedosamente castigado. Assim, tudo termina com final feliz.

Infelizmente, muitos pais desejam ver seus filhos com a cabeça funcionando racionalmente como a deles, e acreditam que a sua maturidade depende exclusivamente do ensinamento oferecido pela maioria das escolas que, via de regra, em nossa sociedade moderna, pouco fazem além de repassar um conteúdo pedagógico desprovido de maiores significados para a vida. Esquecem-se de explorar os sentimentos como integrante fundamental da formação do caráter e, ainda que bem alfabetizem, algumas escolas desconsideram os contos de fadas como se esses só gerassem confusões quanto aos conceitos sólidos de realidade que devem ser ensinados às crianças.

A sabedoria, afinal, não é coisa que nasça pronta como a deusa Palas Atena, que, inteiramente formada, pulou fora da cabeça de Zeus; é, antes, algo delicado, que se constrói desde os tenros anos da infância e que passa necessariamente por um estágio de extraordinário potencial, o qual só se desdobrará convenientemente num bem explorado e maduro psiquismo. Obrigatoriamente, isso leva à necessidade de lidar com os sentimentos. O mundo interior, desconhecido pela consciência intelectualizada, encerra segredos legítimos, guarda metade de nós mesmos, e sua assimilação é imprescindível para todo aquele que deseje conhecer-se melhor ou que esteja buscando respostas honestas para os enigmas da existência.

Nesse particular, os contos de fadas cumprem relevante papel: eles são uma expressão cristalina e simples de nosso mundo psicológico profundo. De estruturas mais simples que os mitos e as lendas, mas de conteúdo muito mais rico do que o teor moral encontrado na maioria das fábulas, são os contos de fadas a fórmula mágica capaz de envolver a atenção das crianças e despertar-lhes sentimentos e valores intuitivos que clamam por um desenvolvimento justo, tão pleno quanto possa vir a ser o do prestigiado intelecto. Não fossem assim tão verdadeiros ao simbolizar nosso caminho pessoal de desenvolvimento, apresentando-nos as situações críticas de escolha que invariavelmente enfrentamos, não despertariam nem sequer o interesse nas crianças que buscam neles, além da diversão, um aprendizado apropriado à sua segurança. Nesse processo, cada criança depreende suas próprias lições dos contos de fadas que ouve, sempre de acordo com seu momento de vida. Elas extraem das narrativas, ainda que inconscientemente, o que de melhor possa aproveitar para ser aí aplicado. Oportunamente pedem que seus pais lhe contem de novo esta ou aquela história, quando revivem sentimentos que vão sendo trabalhados a cada repetição do drama, ampliando assim os significados aprendidos ou substituindo-os por outros mais eficientes, conforme suas necessidades do momento.

Os contos de fadas nos impressionam, porque sempre foram populares como tradição

oral, mas, antes, porque suas histórias são instigantes. Não há como alcançar

completamente seu sentido em termos puramente intelectuais, fato que nos desperta a

percepção intuitiva. A fantasia irracional a ponto de permitir que a Vovó, engolida pelo

Lobo Mau, permaneça viva em sua barriga até ser salva; que Bela Adormecida durma

enfeitiçada um sono de cem anos; e que João suba num pé de feijão até alcançar no

céu o castelo de um gigante. Justamente pelo inverossímil que expõe, provoca uma

reviravolta em nosso mundo psíquico, o qual estimula, aguça-se na tentativa de

compreendê-la. E não há como explicá-la pelos padrões da razão metódica. A história

de fadas é por si sua melhor explicação, do mesmo modo que as obras de arte

encerram aspectos que fogem do alcance do intelecto, já que suscitam emoções

capazes de comover os que fogem do alcance do intelecto; já que suscitam emoções

capazes de comover os que diante delas se colocam. O significado desses contos está

guardado na totalidade de seu conjunto, perpassado pelos fios invisíveis de sua trama

narrativa. Claro que, diante desse mistério, muitas formas de abordá-lo são possíveis e

igualmente válidas, posto que acrescentam luz à sua compreensão.

A literatura dirigida ao público infantil foi produzida a partir do século XVII, uma vez que

antes desta data, a sociedade feudal não reconhecia que as crianças possuíam

características próprias da infância. Com a queda do sistema feudal, a família tornou-se

unicelular, ou seja, mais unida e privada, e a criança é tida como frágil

(biologicamente), distanciada dos meios produtivos; e então, como conseqüência, é um

ser dependente do adulto, de quem precisa ajuda para agir na sociedade.

Segundo o modelo familiar burguês que surgiu na Idade Moderna, a criança passou a

ser valorizada, e juntamente com as idéias para seu desenvolvimento intelectual surge

a necessidade de manipulação de suas emoções. É neste contexto que a escola e a

literatura aparecem para atender a essas questões. Prova disto é que os primeiros

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textos para as crianças são de caráter educativo. O cunho educativo é dotado de um

pragmatismo que não aceita a literatura como arte, mas como atividade de dominação

da criança, ou seja, de cunho exclusivamente moralista e ditadora de regras.

Essa idéia de dominação é incorporada pela escola como objetivo, uma vez que esta

introduz a criança na vida adulta, mas ao mesmo tempo, protege-a contra as agressões

do mundo exterior, separando-a de seu coletivo (família, sociedade) e a fazendo

esquecer o que já sabe.

“O sistema de clausura coroa o processo: a escola fecha suas portas para o

mundo exterior [..]. As relações da escola com a vida são, portanto, de

contrariedade [...] É por omitir o social que a escola pode se converter num dos

veículos mais bem sucedidos da educação burguesa; pois a partir desta

ocorrência, tornou-se possível a manifestação dos ideais que regem a conduta

da camada do poder, evitando o eventual questionamento que revelaria sua face

mais autêntica.” (ZILBERMAN, 1985, p. 19).

As relações entre literatura e escola possuem aspectos comuns e divergentes; as duas

são de natureza formativa e divergente, pois a escola busca transformar a realidade

viva e sintetizá-la nas disciplinas. Nesse processo de síntese, interrompem-se os

vínculos com a vida atual. Já a literatura infantil sintetiza, por meio dos recursos de

ficção, uma realidade que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive

cotidianamente.

O professor precisa estar consciente dessas questões e trabalhar para que a relação

literatura e escola aconteça de forma harmônica. Um dos passos que precisa ser bem

construído refere-se a escolha dos textos e a adequação dos mesmos ao leitor.

O mais importante que resta disso tudo é que nunca esqueçamos a lição, crianças,

jovens ou adultos no mundo das fadas, todos seguimos encantados e felizes para

sempre!

Os contos infantis

e a educação