A Capitolina 3, março 2014 | Page 17

Problemas Crônicos 16

malévolo, eivado de más intenções. Esbraveja, joga os braços ao ar, soca o espaço por zanga. Mas a leitura é atividade sonolenta e lança uma cortina de chumbo sobre seus olhos, no que derriba você o volume a um lado e o corpo a outro. De manhã, depois do café, lembra-se da noite anterior, de todo o êxtase corrido ali na sala e se arrepende. Olha o livro com a ponta do lábio soerguida e uma vez mais se arrepende. “Que loucura”, pensa. Engaveta o tomo para só desengavetá-lo meses depois, com o espírito renovado, embebido de entusiasmo para retomar de onde parou com a mesma têmpera, o mesmo ímpeto. Mas o lance coincide com o tempo em que entrou você a somar problemas conjugais e a leitura quis lhe parecer mais sofrível, a nobreza do herói lhe pareceu bobagem sentimentalóide e todas aquelas pequeninas figuras que se digladiavam diante seus olhos pareciam interpretar uma peça tão afetada e grotesca que o fizera atirar o livro longe, deixando uma pesada sensação de tempo perdido.

É dessa maneira que meu contemporâneo erudito se fia devam ser lidos os livros. Talvez resida ele n’algum mundo ideal, com pessoas ideais e que não sejam vulneráveis às vicissitudes da vida e do ímpeto tempestuoso dos seres humanos. Pode ser que lá não existam os astronômicos encargos tributários brasileiros ou as enxaquecas das quais sofrem as damas de nosso tempo. Tudo pode ser. O que não pode ser é admitir-se que o significado dado à uma obra literária seja proveniente única e exclusivamente daquele que lê – aquele que ali em cima, há alguns parágrafos foi do êxtase “Prozac” à desesperança, enfado e repugnância. Obviamente, como são as pessoas diferentes umas das outras, cada qual terá uma experiência diversa a respeito do que leu. Todavia, o autor quando da construção da sua obra possuía uma intenção em mente, objetivo a alcançar, um designo; algo tão engenhoso e sublime que foi incensado, louvado e reconhecido por haver alcançado esses louros e nos dado essa dádiva – que se mostra relevante no espaço e no tempo, social e culturalmente.

E se a interpretação de um livro deveria efetivamente ser dada por seu leitor, meu caro amigo erudito, suponha você o que seria deste mundo se Nero e não Constantino tivesse presidido o Concílio de Nicéia. Se bem que Constantino...