1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 202
durante a ditadura militar, o atrelamento ao Ministério do Trabalho
significou rígido controle do movimento operário.3
A presença ativa do Estado na vida econômica e social foi um
resultado da falência da desregulamentação implementada pelo
liberalismo. Na Europa, segundo a conhecida análise de Habermas, o processo iniciado como resposta à crise de 1929 consolidou-se após a segunda guerra mundial.4 A criação do Welfare State
acarretou uma “socialização do Estado”, que se fez presente na
sociedade civil ao interferir no contrato de trabalho e ao fazer parte
do próprio contrato, com a criação das empresas estatais. Reconhecendo que as partes contratantes não são iguais, o intervencionismo estatal desmascara a aparência do sistema (a igualdade de
todos na esfera da circulação), mas não sua essência (as contradições presentes na esfera da produção). O complemento da “socialização do Estado” foi a “estatização do social”, a regulamentação
estatal das relações entre as classes.
A política de Vargas insere-se nesse movimento mundial que
fez convergir em favor da intervenção estatal as ideologias mais
díspares: “O susto de 1929 apelara decisivamente para o papel dos
governos como retificadores das desordens do mercado. New Deal,
Keynes, Labour Party, Front Populaire. Planos quinquenais na
União Soviética. Fascio na Itália. Corporativismo estatizante em
Portugal e na Espanha”.5
Mas há que se ressaltar a particularidade brasileira:
enquanto na Europa estudada por Habermas o processo se consolida no pós-guerra em países que já viviam a fase monopolista do
capitalismo, no Brasil, além do caráter pioneiro da ação estatal,
esta, na ausência de uma sólida acumulação privada de capitais,
antecipou-se para criar as bases do capitalismo industrial. A parti-
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Sobre esse tema escrevi o ensaio Movimento operário e corporativismo, in: Crise do
socialismo e movimento operário. São Paulo: Cortez, 1994.
HABERMAS, J. Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1984.
BOSI, Alfredo. Formações ideológicas na cultura brasileira, Estudos Avançados, v. 9,
n. 25, 1995, p. 292.
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