1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 110

zido de distribuição de renda e de criação de melhores condições para o consumo popular, ênfase introduzida pelos anos Lula. Esse legado constitui hoje uma espécie de estrela polar da sociedade brasileira, ainda que não esteja plenamente consolidado. Nada parece indicar que o país retrocederá desse ponto, seja porque não deseja o retorno da inflação, seja porque não aceita mais a desigualdade e a exclusão como marcas distintivas da nacionalidade. Os governos FHC e Lula deixaram, cada qual a seu modo, pequenas bombas de efeito retardado, que não esgotaram seu potencial complicador. Ambos se propuseram, por exemplo, a reatar os laços com o desenvolvimento, mas não conseguiram materializar nenhuma ideia nova nesse terreno, com o que o país voltou a crescer sem sustentabilidade e sem uma política clara, fato que põe o futuro num quadro de indefinição. Nunca o capitalismo foi tão poderoso e tão hegemônico no país quanto nos 16 anos desses dois governos. Ambos também ajudaram a estimular a sociedade a ver o Estado com lentes distorcidas e maniqueístas: ou como algo a ter seus custos sempre mais minimizados, ou como uma Meca a ser perseguida em busca de abrigo, proteção e assistência. Contribuíram, ainda que sem intenção deliberada, para rebaixar a atividade política a níveis sem precedentes de indigência e falta de responsabilidade pública. Fizeram isso, entre outras coisas, porque optaram por organizar governos de coalizão despojados de substância programática ou ideológica, que levaram seus partidos, o PSDB e o PT, personagens distintos mas convergentes da socialdemocracia à brasileira, a largarem pela estrada o patrimônio reformista que haviam acumulado ao longo do tempo. Hoje, o próprio campo político – locus por definição da produção de mudanças – se converteu em entrave. O sistema político não ajuda, os partidos falham em suas funções, os representantes são, na maioria, pouco preparados para interagir com a complexidade adquirida pela vida social. Tudo isto arrasta consigo os governos e a gestão pública. Faltam ações focadas na construção de uma agenda nacional, de um projeto de sociedade. Todos apontam para a relevância da saúde, da educação e da 108 1964 – As armas da política e a ilusão armada