1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 109

O que mais importa nessa reflexão é compreender 1964 para continuar avançando, não para lamentar o passado. E muito menos para repeti-lo. Isso significa que precisamos nos capacitar para pensar o presente como realidade viva, não como prolongamento passivo do passado e menos ainda como atualização dos componentes mais “negativos” do passado. Os problemas com que nos defrontamos hoje têm, evidentemente, raízes na história nacional e, portanto, carregam marcas do passado. Mas são, ao mesmo tempo, problemas novos, que requerem respostas novas, mentes que se dispam de incrustações paralisantes e interajam com a realidade como ela é. Não faz sentido manter as agendas, as condutas, os slogans com que foi feita a luta contra a ditadura nos anos 80 em um contexto que não é ditatorial e no qual os espaços democráticos estão dados. O desajuste provocado por esse viés terminaria por transformar agendas pensadas como democráticas em cópias malfeitas da agenda antiditatorial, fato que, por si só, converteria as propostas radicais em um apanhado retórico de coisas genéricas. O mundo em que estamos não é uma ditadura, sequer um “Estado de exceção”, por mais sedutora e provocativa que seja a expressão de Giorgio Agamben. Agendas defasadas e não compostas de modo rigoroso, palavras de ordem verbalizadas com ênfase mas pouca precisão, ações contestatórias que passam por cima de preocupações institucionais ou organizacionais são procedimentos e operações políticas que não ajudam a que se superem os efeitos e subprodutos do período ditatorial 1964-1985. Além do mais, dificultam o trabalho árduo, cotidiano, para que se amplie a democracia conquistada e se dê a ela velocidade reformadora e densidade social. Estamos avançando de modo não linear. Sem sobressaltos, sem planos preestabelecidos e meio fora de controle. O atual ciclo político do país organizou-se impulsionado pelos sucessos governamentais das duas últimas décadas: a estabilização monetária e o controle da inflação, principal realização dos anos FHC, ao lado da retomada do crescimento e do início de um processo mais induA pedagogia do passado como construção do futuro 107