1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 200
O fio da história
O golpe não foi um raio caído de céu azul: ele se inscreve
numa impressionante sequência de quarteladas ocorridas na
América Latina. Mesmo no que diz respeito à política brasileira, 64
foi o ponto final de uma série de tentativas golpistas urdidas pelo
conluio entre militares e seus aliados civis, os políticos da União
Democrática Nacional (UDN), que sempre se apresentavam à
opinião pública como ferrenhos defensores da “liberdade”. Foram
diversos os momentos em que a nossa frágil e restrita democracia
foi ameaçada: basta lembrar o suicídio de Vargas (1954), os levantes de Aragarças (1956) e Jacareacanga (1955 e 1956) e o golpe
branco para tentar impedir a posse de João Goulart (1961).
Em 1964, o ciclo de nossa história aberto pela revolução de
1930 sofreu uma reversão. Goulart foi o último representante do
varguismo. Sua atuação como ministro do Trabalho – ao aumentar
o salário mínimo em 100% – teve como resposta, em 1954, o Manifesto dos Coronéis (muitos destes, não por acaso, iriam estar, dez
anos depois, à frente do Golpe).
Mas afinal: contra o que os golpistas lutaram no período que
se estende de 1930 a 1964?
Há uma interpretação corrente que identifica o varguismo
como uma variante do fascismo e, para isso, apontam-se sempre as
semelhanças evidentes da Carta del Lavoro, de Mussolini, com a
nossa legislação trabalhista. Coube ao crítico literário Alfredo Bosi
desmontar essa interpretação mecânica ao estudar as raízes teóricas
positivistas que orientaram a ação de Vargas e de seus aliados 2. O
positivismo, como se sabe, concebe a sociedade humana como um
organismo, um conjunto de partes interligadas que tendem para o
equilíbrio. A integração social, em grande parte, é alcançada pelo
Estado – a cabeça da nação que coordena o desenvolvimento social.
2
BOSI, Alfredo. A arqueologia do Estado-providência, in: Dialética da colonização.
São Paulo: Companhia das Letras, 1994; O positivismo no Brasil: uma ideologia de
longa duração, in: PERRONE-MOISÉS, Leila (org.), Do positivismo à desconstrução.
Ideias francesas na América. São Paulo: Edusp, 2004; e Formações ideológicas na
cultura brasileira, Estudos Avançados, 9 (25), 1995.
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