1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 13
ram-se do campo da polêmica de então para o quase consenso de
hoje. A reforma agrária foi praticamente concluída pelos governos
posteriores à redemocratização do país. Discute-se hoje a necessidade de formular uma política fundiária pós-reformista. Para nós,
o fato de a reforma urbana, a limitação da remessa de lucros por
parte das empresas de capital estrangeiro, para não falar da extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, aparecerem
como uma plataforma radical só é compreensível à luz de um
contexto internacional de Guerra Fria e do processo de polarização
que a política brasileira de então vivia.
Em terceiro lugar, destaque-se a contribuição da esquerda
para a escalada da insensatez que resultou no golpe militar. O
golpismo de direita já estava estabelecido e organizado, mas só
conseguiu a maioria na sociedade e inclusive entre os militares
com a ajuda da vacilação, para dizer o mínimo, da esquerda em
abraçar de maneira consequente os valores da democracia e da
legalidade. De acordo com Marco Antônio Coelho, a posse de João
Goulart, com a consequente derrota da tentativa de golpe, subiu à
cabeça da esquerda. Esse episódio foi lido como evidência de uma
correlação de forças tão favorável que tornaria praticamente
impossível um golpe de direita. Os atores principais desse campo
não perceberam, à época, que o fato de estarem do lado da legalidade institucional foi o fator decisivo para sua vitória. A partir de
então, começou, no discurso e nas propostas, o processo de afastamento da legalidade: reformas na lei ou na marra, articulação de
candidaturas para a Presidência da República de lideranças inelegíveis, a decisão de encaminhar as reformas por decreto, o
confronto com a hierarquia militar. Em março de 1964, a bandeira
da legalidade havia passado às mãos dos golpistas.
Nesse processo, a alternativa política capaz de prevenir o
golpe chegou a ser formulada: a constituição de uma ampla frente,
da esquerda ao PSD, em torno de um programa mínimo de reformas, para dar estabilidade ao governo Goulart. No entanto, essa
alternativa não se concretizou, uma vez que implicaria o fortalecimento da candidatura do PSD à Presidência na eleição de 1965, um
Apresentação
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