100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 97

A conspiração dos militares
O primeiro cara a me falar do golpe foi o jornalista brasileiro José Arbex , então correspondente da Folha de S . Paulo , em Moscou . Eu o havia convidado para almoçar no novo hotel do partido , que o povo chamava de Spaciba Bolshoi , considerado então o mais luxuoso de Moscou e destinado aos dirigentes do PCUS e não aos empresários e turistas que chegam à capital soviética . Era um hotel cinco estrelas como outro qualquer , mas comparado ao Hotel Moscou , da época de Stálin , ou ao velho Spaciba , nos fundos do Teatro Bolshoi , o hotel do partido desde a década de 1920 , aquilo era um escândalo . Tanto que o secretário-geral Yuri Andropov , que foi o grande padrinho de Gorbachëv , recusou-se a inaugurá-lo .
Arbex entrou no hotel observando tudo , pois nunca antes havia posto os pés por lá . Mas conhecia a fama do lugar e fez uma gozação ao ver o buffet farto do hotel , enquanto tudo faltava para o povo lá fora . “ Quanta mordomia , camarada Azedo !”. Foi uma longa e divertida conversa . Não acreditei no que ele me falou sobre os militares : “ Azedo , você prestou atenção no pronunciamento do ministro da Defesa , no Dia da Vitória ?”. O desfile do Exército Vermelho , no dia 9 de maio , é o ponto alto das comemorações da Grande Guerra Patriótica , como os russos chamam ainda hoje a II Guerra Mundial . Eu prestara atenção , fora um discurso duro contra a oposição , o imperialismo e em defesa do socialismo , mas dentro da velha retórica soviética . Não interpretei aquilo como a senha para um golpe de Estado .
“ Você está com teorias conspiratórias , esses generais são heróis de guerra e velhos bolcheviques , vão fazer o que o partido decidir ”, disse-lhe . Arbex riu e rebateu : “ Este é o problema , o partido está contra o Gorbachëv ". É óbvio que eu não acreditei no que ele estava falando . Tudo indicava que o golpe realmente estava em marcha , mas eu me recusava a encarar a realidade .
Mais tarde , já no Brasil , durante um encontro de partidos de esquerda com Fidel Castro em São Paulo , da qual participei ao lado do então secretário-geral do PCB , Salomão Malina , o líder cubano disse com todas as letras que estava contra Gorbachëv e que tinha informações de que era crescente a resistência do partido , inclusive dos militares , à perestroika – que ele também considerava uma traição ao socialismo . O dirigente cubano sabia do que estava falando .
Eles eram justos e puros
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