Eu medito.
Os pensamentos, coágulos de sangue,
enfermos, ardendo,
porejam de meu crânio.
Eu,
criador de tudo que é festa,
não tenho com quem ir à festa.
Agora mesmo irei atirar-me
de cabeça
no empedrado da avenida Nevski.
A desintegração da URSS
De volta a Moscou, tinha um encontro marcado com o brasi-
lianista russo A. Karavaiev, autor do livro Brasil, passado e
presente do capitalismo periférico, que havia me chamado a aten-
ção porque defendia uma tese heterodoxa diante dos cânones da
III Internacional: a de que o nosso país poderia se tornar desen-
volvido por uma via não socialista. No dogma comunista, nenhum
país dependente teria chance de chegar lá por outra via que não
fosse a tomada do poder numa revolução nacional-libertadora,
seguida da construção do socialismo.
“Não vou conversar com você sobre o Brasil, que é um grande
país e hoje tem menos problemas que o nosso”, disse-me Kara-
vaiev. Tenso, o que ele queria falar era outra coisa: “a União Sovié-
tica está à beira da dissolução”. Fiquei perplexo: “Como assim,
vocês não resolveram a questão das nacionalidades?” A resposta
dele foi nua e crua. “Com o regime de partido único, a União
Soviética não sobreviverá. Os comunistas das repúblicas serão os
primeiros a declarar independência para permanecer no poder”,
disparou. Não deu outra.
No dia 8 de dezembro de 1991, Yeltsin, sem consultar Gorba-
chëv, comunicaria ao presidente Bush, o pai, que acabara de
extinguir a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Para Eric Hobsbawn, a queda da URSS e do socialismo no Leste
Europeu selou o fim do próprio século 20. Ninguém esperava isso,
mas também não foi um passe de mágica e sim o esgotamento de
um modelo de sociedade. O colapso político se deu quando os
militares sequestraram Gorbachëv e tentaram um golpe de
Estado, entre 19 e 21 de agosto daquele ano. Era outra pedra
cantada, na qual não quis acreditar.
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Luiz Carlos Azedo