os manifestantes trazendo faixas nas quais se lia: "Abaixo
Gorbachëv! Abaixo o Socialismo e o Império Vermelho fascista".
O líder soviético não era um ator como Ronald Reagan, o
presidente dos Estados Unidos, mas era um governante caris-
mático, que irradiava simpatia e estava sempre sorridente. Não
parecia sinistro como Stálin, não era grosseiro como Kruschev,
ou senil como Brejnev. Muito menos temido, como Andropov ou,
simplesmente, apático como fora Chernenko. Assim eram seus
antecessores na secretaria-geral do PCUS. Encarnava o sonho
de democratização do “socialismo real” para a opinião pública
mundial e, creio, para a maioria dos comunistas. Simbolizava o
fim da guerra fria, pois o acordo do desarmamento nuclear lhe
valeu o Prêmio Nobel da Paz. Representava o sonho de renovação
do movimento comunista.
No dia seguinte ao desfile, numa reunião com diretores dos
jornais, os discursos dos funcionários do partido eram de duras
críticas à oposição, cujos líderes foram chamados de sujos,
vagabundos e provocadores. Mas a grande preocupação era
com a repercussão da vaia nas demais cidades soviéticas e o
destaque dado ao fato pela mídia mundial, relatara-me Oleg
Tsukanov, professor de Economia na Escola de Quadros do
PCUS, muito querido entre os brasileiros. Ele acabou por morrer
voltando ao Brasil, onde procurou trabalho depois que os comu-
nistas deixaram o poder (morava em Brasília e dava aulas na
Universidade Católica).
Ao longo da Rua Arbat, a rua de pedestre mais famosa da capi-
tal, não se falava de outra coisa, a não ser na vaia do Primeiro de
Maio, para espanto de outro camarada, Hudson Correia de
Lacerda, que era locutor da Rádio Central de Moscou e me levara
para ver a situação na cidade sem os filtros do aparatchik. Ele
falava russo sem sotaque e vivia como um autêntico moscovita.
A agitação era impressionante. Havia de tudo, de comícios relâm-
pagos a protestos individuais e silenciosos. Aquilo me lembrava o
centro do Rio de Janeiro entre a campanha das Diretas Já e a
eleição de Tancredo Neves, já nos estertores do regime militar.
A crise de desabastecimento
Numa conversa após o Primeiro de Maio, o economista Ygor
Gaidar, um dos editores de Economia do jornal Pravda, que
mais tarde viria ser o ministro da Fazenda de Boris Yeltsin,
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Luiz Carlos Azedo