100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 92

os manifestantes trazendo faixas nas quais se lia: "Abaixo Gorbachëv! Abaixo o Socialismo e o Império Vermelho fascista". O líder soviético não era um ator como Ronald Reagan, o presidente dos Estados Unidos, mas era um governante caris- mático, que irradiava simpatia e estava sempre sorridente. Não parecia sinistro como Stálin, não era grosseiro como Kruschev, ou senil como Brejnev. Muito menos temido, como Andropov ou, simplesmente, apático como fora Chernenko. Assim eram seus antecessores na secretaria-geral do PCUS. Encarnava o sonho de democratização do “socialismo real” para a opinião pública mundial e, creio, para a maioria dos comunistas. Simbolizava o fim da guerra fria, pois o acordo do desarmamento nuclear lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz. Representava o sonho de renovação do movimento comunista. No dia seguinte ao desfile, numa reunião com diretores dos jornais, os discursos dos funcionários do partido eram de duras críticas à oposição, cujos líderes foram chamados de sujos, vagabundos e provocadores. Mas a grande preocupação era com a repercussão da vaia nas demais cidades soviéticas e o destaque dado ao fato pela mídia mundial, relatara-me Oleg Tsukanov, professor de Economia na Escola de Quadros do PCUS, muito querido entre os brasileiros. Ele acabou por morrer voltando ao Brasil, onde procurou trabalho depois que os comu- nistas deixaram o poder (morava em Brasília e dava aulas na Universidade Católica). Ao longo da Rua Arbat, a rua de pedestre mais famosa da capi- tal, não se falava de outra coisa, a não ser na vaia do Primeiro de Maio, para espanto de outro camarada, Hudson Correia de Lacerda, que era locutor da Rádio Central de Moscou e me levara para ver a situação na cidade sem os filtros do aparatchik. Ele falava russo sem sotaque e vivia como um autêntico moscovita. A agitação era impressionante. Havia de tudo, de comícios relâm- pagos a protestos individuais e silenciosos. Aquilo me lembrava o centro do Rio de Janeiro entre a campanha das Diretas Já e a eleição de Tancredo Neves, já nos estertores do regime militar. A crise de desabastecimento Numa conversa após o Primeiro de Maio, o economista Ygor Gaidar, um dos editores de Economia do jornal Pravda, que mais tarde viria ser o ministro da Fazenda de Boris Yeltsin, 90 Luiz Carlos Azedo