100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 56

ria social. A questão é saber se esses valores são os de um modo específico de produção ou se são valores permanentes, que deve- riam ser preservados sempre. Sabemos que o capitalismo prega igualdade e gera desigualdade crescente, concentra a riqueza nas mãos de uma minoria. Ele fez uma pausa, tomou um gole d’água e continuou: − Temos de indagar sobre modos mais singelos de vida, com menos consumo. O marxismo parece ter ficado marcado pela lógica do capital, que precisa sempre aumentar a produtividade para que a mais-valia seja crescente. Marx queria a revolução para aumentar a produtividade. Como organizar, no entanto, a produção? Como orga- nizar o governo no socialismo? Marx não conseguiu elaborar essa virada histórica, embora tivesse até intuído que a revolução socia- lista poderia acontecer antes na Rússia que nos centros industriais. Além do modo capitalista de organizar empresas, com seu poder centralizado em grandes acionistas, poderíamos pensar alternati- vas: 1) a produção em cooperativas dirigidas pelos cooperativados, mas isso tende a fazer com que eles busquem o máximo de vanta- gens com o mínimo de esforço, o que as destrói por dentro, tanto quanto elas serem, como aqui, forçadas a entregar o seu produto ao Comitê Central; 2) grandes empresas públicas em todos os setores básicos da economia, de tal maneira que as necessidades do povo possam ser atendidas, mas, sendo de todos, acabam não sendo de ninguém, tendem a ser mal administradas e daí uma minoria de espertos procura vantagens indevidas; 3) a estatização de grandes empresas, mas isso tende a cultivar a ganância privada dentro delas e novamente se tem a prática da corrupção e da ineficiência; 4) a privatização de grandes empresas públicas, mas isso tende a privi- legiar uma minoria, que acaba tomando conta do aparelho de Estado, para conseguir privilégios, em que a busca do lucro se sobrepõe ao atendimento do bem comum. Em suma, como quer que se faça, conse- gue-se estragar os melhores projetos. O homem não é bom, não merece que uns poucos se sacrifiquem por ele. Fica difícil lutar por algo que, com o correr dos anos, exibe corrupção, oportunismo. Fez-se um silêncio geral, como se tivessem topado com um abismo. O estudante boliviano Pedro Uchoa achou que tinha uma mensagem divina ao dizer que o capitalismo havia se esgotado na América Latina e o único problema era descobrir como chegar mais rápido ao socialismo. Alguns se puseram a rir de mansinho, mas ninguém interveio, não porque respeitassem o ponto de vista e sim porque era acadêmico tolerar as falas e o que ele dizia era uma 54 Flávio R. Kothe