À beira do precipício pd51 | Page 30

presidente Dilma Rousseff. Com efeito, durante seu curso – tudo indica, encerrado – viveu-se aqui como que uma terra em transe, com manifestações de rua e passeatas de empalidecer as france- sas, aparentando prometer, como essa esquerda desejava, a hora de ruptura catastrófica com nossas instituições. Foi um tempo em que se coqueteava com o tema das revolu- ções, cuja porta de entrada seria a derrubada do governo consti- tucional de Michel Temer, com a imediata convocação de eleições gerais, provavelmente com poderes constituintes e demais assun- tos de igual calibre. A sucessão presidencial, confirmando o papel taumatúrgico das eleições nas crises políticas brasileiras, no entanto, nos devolveu ao Brasil real, dissolvendo no ar as fabula- ções revolucionaristas. Mais uma vez, passamos a conviver com o eterno retorno dos processos de transição, com o qual veio à luz nosso Estado-nação – não conhecemos, como se sabe, ao contrário da América hispânica, revoluções nacional-libertadoras. Mesmo registro político, aliás, com que interrompemos o regime do auto- ritarismo militar que nos dominou por duas décadas. É ele, agora, apesar da pantomima ensaiada em torno da candidatura Lula ao tentar ameaçar nossa democracia com a cantilena contra o nosso sistema de Justiça, que se impõe atrás desse teatro de sombras em que se ocultam alguns protagonistas. Pois aquilo que se encoberta é o fato de já estarmos numa transi- ção do longo ciclo da modernização autoritária de Vargas à Dilma, para um novo tipo de relações entre o Estado e a sociedade, centrada na participação social e no aprofundamento da demo- cracia, tanto por processos que revolvem os fundamentos mate- riais de nossas estruturas, em especial no mundo do trabalho e da produção, quanto pelas mudanças ideais que se manifestam em nossa capacidade de reflexão sobre nós mesmos. Os debates presidenciais aclaram o ponto, mesmo que vindos de narrativas toscas e rústicas, contrapondo candidatos que se situam no campo favorável a essa transição aos contrários a ela, na pretensão de darem continuidade ao processo de moderniza- ção autoritária, jogando para baixo do tapete o fato de que ela foi levada à exaustão no governo Dilma. A força do tema se faz presente até mesmo em candidaturas avessas a ele, ora em Jair Bolsonaro, que faz profissão de fé no liberalismo econômico em oposição ao capitalismo de Estado, ora 28 Luiz Werneck Vianna