{voz da literatura} {2} {voz da literatura} junho de 2018 | Seite 14
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{prosa}
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E GONIA : 9 MM DE PROSA { ROMANCE } | F ERNANDO R AMOS | E DITORA P ATUÁ | 2018
SILÊNCIO
F ERNANDO R AMOS É ESCRITOR ,
cineasta, artista plástico e
compositor.
{voz da literatura} n. 2 | junho | 2018
Sem escutar o praguejo do vento, ofertava ao mundo a cara
descarada, alma lavada, riso transgressor de doces arpejos,
amarelando os dentes dos que a invejavam por despeito. Não se
entorpecia com joguetes, só usava torniquetes; não emulava algoz, só
cantava em falsete. E por certo nunca foi tiete de quem não fosse à
sua altura par, jorrava fúria serena de Arvo Part; ao mar, ao fim, ao
surdo: lembrava um cometa a ponto de estourar a estratosfera
terrestre. Nasceu, dizem, da cruza do cipreste de Hera com a concha
de Hades e assim, meus confrades, tudo às avessas, nasce um
milagre andrógino, um arcanjo selvagem, uma valente que ruge, tão
sereno que ela arde. Sinto na pele da crença o sangue torpe das
vespas vestidas em Roma, com referendo popular ao crucificar o
Amor, Dioniso, Sodoma; digo ébrio na testa deste edifício,
Jesus Cristo ressuscitou bilhões de vezes, nos ossos de tantos Josés,
Marias, Franciscos, na carne negra, surrada e baleada; na carne
amarela, napalmizada e desatomizada; na carne vermelha, degolada e
estuprada; na carne da mulher, violentada e acorrentada. E o mar se
abriu em raiva e se jogou contra a cidade, por engolir o esgoto de
tanta crueldade, mas homens não são peixes, não haverá piedade.
Quando o pai do mar, Oceano, enfim acordar, com sede e com fome,
onde restarão os nomes, no abismo abissal redundantemente
profundo do mar? E serão necessários mil vulcões, furacões,
tsunamis, terremotos, pandemias, alergias, bombas, sementes estéreis
desertificando o mundo, usando capas pretas e o logotipo da
Monsanto? Inda não caiu a ficha? Nossos dias estão contados.
Seremos auto aniquilados. A praga humana será exterminada por
alienígenas glóbulos brancos. Quão tolos somos nós, nem
entendemos que o Universo é um só corpo e nossas bactérias duram
apenas uma febre terçã. Estamos no dia três. Aliás, já são onze e meia
da noite. Façam as contas. Quanto custa para eu tomar banho, quanto
vale esse copo de água, quanto pago para andar nessa rua, posso
estacionar minha alma nessa vaga por apenas duas horas? O que será
que aconteceu conosco, somos múmias, farrapos toscos; nós somos o
mundo, não existem outros culpados. Mas que porra de beco
sem saída é esse, ódio telurizou nos homens, só há uma grande
empresa, um único caminho a seguir. A gentrificação dos seres,
escárnio dos prazeres e dos sonhos; tudo que supomos, cai por terra
num deslize diplomático fatal, uma dose de vodca a mais e o dono do
botão explode o mundo. Não seria melhor agendar logo a data cabal,
encerrar de vez e sem ressentimento esse mal entendido? Direto e
reto. Abrupto ponto final? Se alguém souber de algo que deslegitime
esse pandemônio, fale agora ou se cale para sempre. Silêncio. Sendo
assim, eu vos declaro: ponto final. Carbono: pode beijar o Caos.
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