Digá lá: o que faria um pinguim nadar mais de 8 mil quilômetros todos os anos e ir das águas geladas da Patagônia até uma praia de correntes mornas na costa do Rio de Janeiro? Que bússola interna orienta essa pequena ave que a impele a se atirar na água e enfrentar os sofrimentos de uma viagem arriscada? E qual seria o tipo de recompensa que a faz voltar anualmente ao mesmo local? A única resposta é: o cálido acolhimento que ela sentiu por lá.
A história de Dindim, como o pinguim foi batizado, assim como outras que vou contar por aqui, pode nos ensinar muito sobre acolher e ser acolhido. Porque elas falam de nós, de nossas faltas, desejos e condicionamentos, e de egoísmo, assim como daquilo que verdadeiramente nos traz amor e alegria, mas que a gente esquece. Dindim foi recolhido pelo pescador João de Souza quando o pinguim-de-magalhões surgiu na costa carioca, exausto, faminto e coberto de óleo. Com paciência, o pescador o alimentou com sardinhas e palavras doces. Deu banho e o deixou livre. Mas Dindim não foi embora. E ficou mais de 11 meses ao lado de João. Quando ninguém imaginava que ele fosse retornar para o sul, o pinguim partiu.
Até aí, tudo perfeitamente normal. A grande surpresa de todos na aldeia de pescadores, porém, foi vê-lo voltar durante os últimos cinco anos para visitar o pescador e sentir de novo aquele acolhimento. Carinho, proteção, segurança e alimento é tudo o que João significa para ele. Já a alegria de ter salvo uma vida é a felicidade de João. Um recebe e o outro dá, mas ambos estão igualmente felizes. E eis aí a grande lição do acolhimento amoroso: para receber bem é preciso sair de nossa zona de conforto e estar disponível para o outro. Também é bom aceitar com naturalidade o fato de que quem chega pode perturbar nossa comodidade, mas que mesmo assim vale a pena dar abrigo. Vencida a resistência inicial e a preguiça, o coração fica feliz com isso. Agora vamos conhecer os primeiros passos da estrada do acolhimento, algo que nos torna mais compreensivos e generosos com quem nos rodeia.
Autoacolhimento
Para praticar a arte de bem acolher é preciso, antes de tudo, aceitar-se integralmente. E isso inclui admitir o nosso lado sombrio, a faceta que queremos ocultar dos outros. Para que isso aconteça, porém, é necessário identificar e jogar luz sobre os nossos defeitos e limites, sejam eles quais forem. “Ao inspirar de manhã na meditação, acolho a vida em sua inteireza: o bom e o ruim, o feio e o bonito, o dia chuvoso e o sol escaldante. Simplesmente aceito a vida como ela é, sem querer impor nada. E esse abraço inclui a mim mesma”, diz Lucila Camargo, psicoterapeuta especializada em resolução de conflitos, que mora em São Paulo. E, ao aceitar a vida como ela é, sou também capaz de acolher pessoas com comportamentos diferentes dos meus, inclusive aqueles que eu não aprovo. E Lucila dá um exemplo: “A mãe que vai visitar o filho na cadeia e fala com ele com amor e carinho não está avalizando o crime que ele fez. Ela abraça o filho, que ama tanto, e não seu erro”.
Com mais consciência de mim mesmo, também me torno mais tolerante e compreensivo: a
Saiba acolher
Receber um abraço demorado num momento difícil, um colo ou um carinho. Exercitar gestos singelos no dia a dia nos torna mais generosos e humanos não só com os outros mas com a gente mesmo
TEXTO Liane Alves ARTE Paola Viveiros
CAPA
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vida simples • MARÇO 2017