medos, sonhos, desejo de ser amado, desejo de ser aceito”, diz Tati. Ou seja, se durante uma conversa a gente se coloca em lados contrários na política, pode tentar observar se mesmo assim o que está por trás não é o desejo comum de viver em um lugar melhor. As conversas também revelam uma oportunidade quase mágica de exercitar um profundo respeito pelo outro. Respeitar significa olhar de novo. Se num primeiro momento nos estranhamos com as diferenças, reparando melhor podemos contemplar a beleza nessas distintas formas de ser e viver. “Conforme vamos dando mais carinho para nós mesmos também nos tornamos mais tolerantes com os outros”, diz Stephen Little.
O que vale é a forma
Theodore Zeldin é um filósofo que nasceu na Palestina e acredita que conversas são muito mais do que assuntos que a gente discute. Elas são uma forma de nutrição compartilhada, que permite trocarmos confiança, sabedoria, coragem e amizade. E nem sempre, em uma conversa, o mais importante é o conteúdo do que se diz, mas o contato que a gente alimenta nessa troca. Stephen me diz que gosta de pensar nas conversas como um rio, que é naturalmente fluido e sobre o qual a gente não tenta exercer muito controle, deixando os caminhos abertos.
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MARÇO 2017 • vida simples
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Respeitar significa olhar de novo. Se num primeiro momento nos estranhamos com as diferenças, reparando melhor podemos contemplar a beleza nessas distintas formas de ser e viver
habilidosos em medir os riscos que qualquer convívio em sociedade nos coloca, e ainda assim mantendo o interesse e o olhar curioso pelo outro. “É claro que são encontros imprevisíveis, há o risco positivo e o negativo. Falar com essas pessoas é um passo adiante nessa experiência. É uma forma de povoar nossa solidão. É uma atitude criadora”, observa Janice, que vê no contato com o outro uma porta para nos transformarmos internamente.
Foi isso o que experimentou o irlandês Stephen Little. Quando criança, ele viajava com a família para o interior do seu país e se impressionava com um fato aparentemente comum pelas localidades por onde passava: as pessoas deixavam a porta de suas casas aberta, mesmo quando não estavam lá. “Aquilo era um sinal de que era um lugar seguro”, lembra ele. “Mais tarde, na minha adolescência, eu pensei nessa metáfora da casa aberta como as melhores trocas que eu tive com pessoas completamente desconhecidas e disponíveis. Como breves amizades de três minutos”, conta Stephen, que hoje vive no Brasil e dá aulas sobre atenção plena e sobre como ter melhores conversas.
A verdade é que talvez nem todo mundo tenha o interesse ou mesmo a facilidade para iniciar uma conversa com estranhos com quem está dividindo o mesmo espaço. Mas este texto é apenas para dizer que a possibilidade existe, e que podemos desenvolver essa prática.
O primeiro passo é se disponibilizar, quase como deixar a porta dos nossos olhos e ouvidos aberta para que o outro entre. “Deixar-se afetar por estranhos é de certa forma já mudar ou sair um pouco de si”, observa Janice. Curiosamente, ao mesmo tempo em que a cidade nos revela oportunidades, também acaba por facilitar que a gente se feche e olhe menos para o que está em volta, vivendo de forma um pouco individualista, centrada apenas no nosso eu e nos nossos problemas, deixando de ver – e de se reconhecer – no outro. Um caminho possível para sair desse mundo ensimesmado e contemplar a beleza das outras pessoas tem justamente a ver com a empatia: a habilidade de enxergar o mundo com o olhar do outro. “Nutrir uma curiosidade pelos estranhos é um bom exercício, porque nos faz compreender que há realidades diferentes da nossa. Saímos daquela zona onde vivemos com pessoas que partilham dos mesmos gostos e pensamentos semelhantes”, observa Tati Fukamati, pós-graduada em neurociência e psicologia e estudiosa da empatia. Ela nos ajuda, inclusive, naqueles momentos em que a conversa segue rumo a opiniões opostas. “Vale lembrar que existe um ser humano que também tem medos, sonhos, desejo de ser amado, desejo de ser aceito”, diz Tati. Ou seja, se durante uma conversa a gente se coloca em lados contrários na política, pode tentar observar se mesmo assim o que está por trás não é o desejo comum de viver em um lugar melhor. As conversas também revelam uma oportunidade quase mágica de exercitar um profundo respeito pelo outro. Respeitar significa olhar de novo. Se num primeiro momento nos estranhamos com as diferenças, reparando melhor podemos contemplar a beleza nessas distintas formas de ser e viver. “Conforme vamos dando mais carinho para nós mesmos também nos tornamos mais tolerantes com os outros”, diz Stephen Little.
De que maneira isso pode mudar a vida de quem adquire um produto assim?
A partir do momento que você tem em mãos uma peça cheia de história, você se conecta a isso e cuida desse objeto com um apreço especial. Você entende o valor não só do objeto em si mas de tudo que ele carrega, que tem a ver, também, com a sua própria natureza.
O termo descolonização do olhar é proposital?
Sim. Eu me faço esse exercício diariamente: com meus amigos, na minha relação amorosa, na relação afetiva com meus filhos, no trabalho. A gente cai nesse padrão, o da imposição, de não olhar para o outro como alguém que também tem uma sabedoria. A colonização, que desacredita no outro, é algo que está intrínseco na gente.
Você fala muito na “busca pela beleza”. Poderia explicar mais isso?
É a beleza que parte do entendimento de que não existe o exótico. É olhar de maneira mais aberta, menos preconceituosa para o outro. As pessoas olham para o índio, por exemplo, e acham bonitinho e exótico aquele homem vestido daquele jeito diferente. Mas não gostam se ele estiver com um celular. Você quer o índio ainda na estética do imaginário, do zoológico, porque ele não é uma
pessoa como você, é alguém para apreciar. Aí você não consegue enxergar a verdadeira beleza, ir além, não transcende. Tudo tem beleza quando você enxerga o outro como um igual; não como diferente.
Trabalhar na TV foi um grande aprendizado para você?
Sim. Fiz sete anos de Lar Doce Lar. Eu recebia muita crítica porque, de certa forma, eu julgava a beleza estética imposta ao trazer para um ambiente aquilo que não necessariamente as pessoas esperavam – armários planejados, por exemplo –, mas o que tinha relação com a história de cada um. As pessoas gostam de ver, na decoração, uma beleza minimalista, mas isso é europeu. O Brasil é barroco, exuberante, colorido. Mas, mais do que isso, no programa da TV, eu entregava dignidade, que era algo mais profundo. A porta de uma casa significa segurança
e privacidade, mas, em muitas residências pelo Brasil profundo, algumas famílias não têm nem porta em casa. Uma cozinha nova, um piso no chão, um sofá para sentar, uma cama para dormir não é luxo. É dignidade. E, além disso, eu entregava uma casa colorida, trazia para o ambiente a memória, a história das pessoas. E, para mim, o movimento não era só para quem estava recebendo. Aquilo era uma ferramenta pra reverberar. Era a primeira vez que se falava na TV sobre casa e se olhava para o ser humano como vida.
O que você chama de Brasil profundo?
É esse Brasilzão, enorme, que nasce além dos limites das grandes capitais. Mas mesmo nas metrópoles também existe um Brasil profundo, que é aquele que vai além da nossa vizinhança, da nossa rua, bairro, dos nossos trajetos diários e da nossa realidade cotidiana.
Para você, o que é design?
Tudo é design. O significado da palavra vem de desígnio, a necessidade de servir ao próximo. O homem não queria mais sentar no chão, então se designou um desenho para fazer uma cadeira. O resto é contar histórias para diferentes maneiras de se sentar. O homem não queria mais comer com a mão. Pensou-se num desenho e daí surgiu o garfo e a faca. Design não é estética. Hoje, o design virou uma apropriação estética e de agregar valor a algo. Esse objeto é de design, então ele é mais caro. Só que tudo tem design: a casa feia ou bonita, o móvel feio ou bonito. Tudo enquanto desígnio. E design é também a forma de se relacionar. Você desconstrói a matéria e coloca importância. E, no processo de montar, você conta uma história (de um lugar, de uma comunidade, uma família). Por esse olhar, o design é uma forma de redesenhar uma relação.
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