editorial
Água
Adaptar a produção industrial e a utilização individual à crescente escassez de água é uma necessidade premente , mas que a maior parte do mundo ainda não reconhece como tal . Enquanto país do sul europeu , Portugal será sempre dos mais afectados em cenários de seca como o que agora atravessamos . A indústria ( e o consumidor ) estão obrigados a agir . E o sector do vinho não é excepção .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com
De tempos a tempos , a seca e as suas consequências entram-nos pela sala dentro , nas imagens televisivas , nas páginas dos jornais . Este ano , mais do que nunca . No entanto , a esmagadora maioria dos portugueses olha para a seca como algo conjuntural , passageiro , não equacionando sequer o cenário de abrir a torneira e , durante dias ( meses ?), não sair água . Mas essa é uma possibilidade que pode não estar tão longe assim e que áreas do mundo dito “ desenvolvido ”, como a California , já experimentam . A este respeito , recomendo a leitura da novela “ Seca ”, de Jarrod e Neal Shusterman , uma ficção assustadora e perigosamente plausível . Segundo a União Europeia , atravessamos um período de seca como não há memória e que , à data em que escrevo ( finais de agosto ), não tem fim à vista . Entretanto , arrancaram as vindimas em diversas regiões de Portugal . Em traços gerais , a coisa não está brilhante . Bagos pequenos , mirrados pela falta de água , maturações muito heterogéneas , devido ao “ adormecimento ” da videira pelo calor e stress hídrico , pH desequilibrado , acidez em baixa . Vinhas regadas e vinhas de sequeiro foram igualmente afectadas , variando o grau do impacto em função da localização , orientação solar , tipologia de solos , opções vitícolas . E se nada pode substituir ( na vinha , na uva , no copo ) a água que a Natureza entrega sob a forma de chuva , a verdade é que , a nível global , a indústria do vinho está absolutamente dependente da rega . A grande dúvida é se , num futuro próximo , vamos continuar a ter água para regar . Porém , vejo ainda um número demasiado curto de produtores nacionais seriamente preocupados com isto . Talvez devido , precisamente , à sua dimensão , os maiores parecem estar bem mais despertos para o problema e , sobretudo , mais disponíveis para agir na busca e aplicação de soluções . Confesso que me custa muito ver , por exemplo , pequenos produtores , claramente comprometidos com o ambiente a outros níveis , de mangueiras abertas na adega como se a água fosse um recurso inesgotável . E convictos de que práticas como optimização científica da rega ou reutilização de água na adega , não são para si . Um pouco naquela de que “ como produzo pouco vinho , gasto pouca água ”. Só que isso não funciona assim . É o mesmo que dizer que uma casa com duas pessoas faz menos lixo do que uma com oito e que , portanto , pode fazer lixo à vontade . Na verdade , a questão não está no volume total de água gasto pelo produtor ; está no que gasta por cada litro de vinho produzido . Os cálculos relativos à pegada de água na produção de vinho estão , naturalmente , condicionados à enorme diversidade existente no sector . Ainda assim , estima-se que , a nível mundial e em média , são necessários 870 litros de água para produzir um litro de vinho ( ver water footprint network ). Muito menos , ainda assim , que o café ( 1056 l / l ), sumo de maçã ( 1140 l / l ), leite ( 1020 l / l ), pão de trigo ( 1608 l / kg ), arroz ( 2497 l / l ), manteiga ( 5550 l / kg ), carne de vaca ( 15500 l / kg ) ou chocolate ( 17000 l / kg ). Mas bem mais do que a cerveja ( 298 l / l )… Sabe-se que , através processos de optimização na vinha e adega , é perfeitamente possível reduzir a pegada de água vitivinícola para um terço da actual . Só que é obrigatório que os produtores interiorizem essa necessidade e resolvam agir . A água é um bem limitado , e vai sê-lo cada vez mais no futuro . Utilizá-lo com a máxima eficácia , racionalidade e parcimónia na produção de vinho é um imperativo . Certamente mais impactante , em termos de cuidado ambiental e sustentabilidade , do que fazer uma vinha biológica . Esta obrigação aplica-se a quem faz vinho mas também , é claro , a quem o bebe . Os produtores que façam a sua parte . Nós , consumidores , tratemos de ir fechando as torneiras .
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