V Grandes Escolhas Novembro 2022 | 页面 4

luis lopes

editorial

Turismo no Douro , ilhas na paisagem

Dizer que o potencial turístico do Douro é enorme , tornou-se lugarcomum . Mas eu continuo a pensar que esta região ainda não é destino de viagem tão perfeito quanto a fazemos crer . Faltam muitas peças no puzzle , entre elas , gastronomia , urbes bonitas e organizadas , oferta em rede , espaços verdes , arte e cultura , enfim , tudo aquilo que um destino turístico ambicioso deveria ter .

luis lopes

luislopes @ grandesescolhas . com

N ão me interpretem mal , adoro o Douro . De tal forma que , apesar de visitar a região , em trabalho , várias vezes por mês , ainda lá regresso nas férias com a família para passar uns dias . Mas a questão é mesmo essa . Dificilmente “ aguento ” mais do que dois ou três dias a olhar a paisagem , com pouco mais para ver e fazer . Deixem-me despachar a heresia de uma vez , para ficar o assunto arrumado . As quintas do Douro são hoje , no seu conjunto , a mais impactante oferta enoturística que temos em Portugal . A paisagem vinhateira , classificada Património da Humanidade desde 2001 , o rio e seus afluentes são , só por si , motivo mais do que suficiente para que centenas de milhar de turistas ali acorram em cada ano e , cada vez mais , em todas as estações do ano . Muitos destes polos de enoturismo estão no patamar da excelência , pelo cuidado e profissionalismo colocado no espaço e na oferta ( provas , visitas guiadas , passeios , etc .), num modelo que , em vários casos , se estende à gastronomia e hotelaria de qualidade . Estas quintas procuram , geralmente , ser autossuficientes em termos de “ ementa turística ”, para que o visitante não sinta a necessidade de dali sair . E , na verdade , a única justificação turística para sair de uma quinta é ir visitar outra quinta . Atentemos na seguinte situação . Cheguei a uma propriedade esplendorosa , com uma oferta enoturística de primeira linha . Fiz as provas acompanhado por guias competentes , passeei pelas vinhas , visitei a adega , comprei na loja , já dormi a sesta no quarto do hotel . Ao fim da tarde , sento-me numa espreguiçadeira , frente ao rio , com um livro na mão e descanso os olhos no monte que se avista na outra margem enquanto aguardo pelo jantar . Lindo . No segundo dia , repito o programa , com algumas variantes : subo até ao ponto mais alto da vinha , onde ainda não tinha estado , faço uma outra prova , mas agora com Porto e , antes do jantar , sento-me novamente na espreguiçadeira com o livro , o rio e o monte em frente . Ao terceiro dia , para mim , chega . Quero ir petiscar fora , usufruir de uma bonita esplanada ou jardim , conversar com os locais , passear por ruas pitorescas , comprar pão e queijos , visitar um museu , um castelo , um atelier de artesanato , jantar num bom restaurante com comida local e regressar à quinta / hotel sem sobressaltos . O problema : tudo o que acabei de elencar , e que qualquer enoturista tem como garantido a cada passo na Toscana , no Loire , em Rioja … ou no Alentejo , é coisa muito , muito rara no Douro . As quintas têm reforçado a oferta gastronómica e actividades “ intramuros ”, é o seu papel , mas ao mesmo tempo tornam-se cada vez mais “ ilhas ”, sem contacto com o exterior . Podiam ( e deviam ) desenvolver o trabalho em rede , para que o turista possa saltar de quinta em quinta , diversificando caras , comida , paisagem . Mas não podem inventar esplanadas , jardins , ruas pitorescas , museus , vida urbana . Os números contrariam , evidentemente , esta visão pessimista . Nunca o Douro teve tanto turista a circular , por terra ou por água ( os primeiros ainda deixam o dinheiro na região , os segundos nem isso , fica tudo nas ilhas flutuantes ). Mas é preciso olhar além , a médio e longo prazo . A extraordinária paisagem vinhateira e a qualidade dos vinhos e das quintas não serão suficientes para garantir o futuro do turismo duriense se não houver autenticidade local a envolver tudo . Para que a galinha dos ovos de ouro não acabe por definhar um dia , seria bom que produtores e autarquias reconhecessem e identificassem as carências e trabalhassem em conjunto para as resolver .

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