V Grandes Escolhas Maio 2022 | Page 4

luis lopes

editorial

“ Give peace a chance ”, a famosa frase / canção de John Lennon é hoje , infelizmente , mais actual do que nunca . Mas permitamme que a tome emprestada para evidenciar um tema muito menos sério : os vinhos rosados . Vinhos que , incensados em público , desvalorizados em privado , também precisam de uma oportunidade .

luis lopes

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Uma oportunidade para os rosés

O

tema de capa desta edição da Grandes Escolhas é o vinho rosé . No caso , através de um trabalho de Nuno de Oliveira Garcia ( NOG ) que procura , com a apresentação e prova de 46 rosados , mostrar que esta categoria de vinhos pode , e deve , ser encarada pelo consumidor mais exigente com o mesmo respeito com que encara brancos e tintos . O que , convenhamos , não é tarefa fácil . Para tal , NOG propõe-se , através de bem fundamentada argumentação ( ou não fosse o autor , na sua vida profissional , um dos mais ilustres advogados fiscalistas da nossa praça ) desmontar os quatro “ dogmas ” ou , diria eu , preconceitos , que limitam a ascensão dos rosés ao mais elevado grau de respeitabilidade vínica : são feitos com menos cuidados ; têm origem em uvas ou castas menos nobres ; evoluem mal e mostram menor qualidade absoluta ; são , sobretudo , vinhos baratos e bons para beber no Verão . A argumentação e prova dão inteira razão ao NOG : produzimos neste momento em Portugal , numa grande diversidade de regiões , um conjunto de vinhos rosados capazes de ombrear com o que de melhor fazemos em brancos e tintos . Os rosés de superior ambição não existem em grande número , é certo , mas acredito que , ano após ano , serão cada vez mais . A desvalorização do rosé não é , longe disso , um problema exclusivo do mercado português . Nunca mais me esqueço das palavras que ouvi , há quase duas décadas , de um famoso jornalista nórdico : “ não há nada que um rosé faça que um branco ou um tinto não possam fazer melhor .” Confesso que , enquanto fervoroso consumidor de rosés , a frase me chocou de início . Mas depois , e ao longo de vários anos , dei-lhe razão . Dissecando o meu consumo de rosés , percebi que os encarava como um vinho de momentos . Bom para um aperitivo ; bom para um salmão , uns enchidos , umas sardinhas ; bom para relaxar numa tarde de Verão ; bom para isto ou aquilo , bebido com frequência , mas nunca encarado como verdadeiramente “ grande ”. Que diabo , se os rosés fossem assim tão bons , porque é não representavam nem 2 % da minha garrafeira ? O que é que mudou desde então , para hoje olhar para os rosés com outros olhos ? Na verdade , quase tudo , a começar pelos vinhos em si . Primeiro , a qualidade média subiu muitíssimo , em todos os segmentos de preço . Depois , no patamar mais elevado do mercado , em preço e ambição , surgiram em Portugal rosés de grande categoria . Finalmente , diversos produtores começaram , eles próprios , a valorizar o que produziam , posicionando o seu rosé de topo , pelo menos , ao nível do seu branco de topo ( os tintos continuam , regra geral , no cimo da pirâmide de marcas ). Na verdade , os rosés nacionais valem tudo isso . Por vezes , até valem mais do que isso . Sobretudo quando comparados com os sobrevalorizados Provence que , acreditem , na sua grande maioria , estão muito abaixo dos seus congéneres portugueses que custam menos de metade do preço . O que falta , em resumo , para que o mercado , como um todo , valorize os rosés nas lojas , nos restaurantes , em nossas casas ? Provavelmente , apenas tempo . Tempo para os rosés fazerem o seu percurso natural no comércio ; tempo para os produtores testarem castas e clones na vinha e diferentes técnicas na adega ; e , talvez mais importante do que tudo , tempo de estágio em casa dos apreciadores . Somente ultrapassando a prova do tempo , um vinho , branco , rosé ou tinto , pode denominar-se grande . Vamos então dar uma oportunidade aos rosés ? Não porque o Verão esteja a bater à porta . Apenas porque são muito bons .
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