V Grandes Escolhas Maio 2021 | Page 4

luis lopes

editorial Tempo

Regra geral , quando chamados a associar vinho e tempo , de imediato pensamos na forma como o primeiro se comporta na garrafa com o passar dos anos , na sua curva de crescimento , na fase de aquisição de complexidade , na fase de declínio , no ponto óptimo de consumo . Mas raramente , se é que alguma vez o fazemos , reflectimos sobre a nossa própria evolução enquanto criadores ou consumidores de vinho .

luis lopes

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A chamada “ prova horizontal ”, consiste na avaliação de várias marcas ou referências , do mesmo produtor / região e do mesmo ano , e oferece-nos uma excelente oportunidade para perceber as características específicas daquela colheita num determinado local , buscando denominadores comuns do ano vitícola e efeitos distintos consoante a casta , solo , exposição solar ou altitude , por exemplo . Neste modelo , o foco está numa colheita concreta , e é ela que nos transmite a informação que pretendemos . Por contraponto , a “ prova vertical ” permite-nos avaliar a mesma referência , do mesmo produtor , ao longo de várias colheitas . “ Horizontais ” e “ verticais ” são modelos de prova totalmente diferentes e que visam objectivos distintos . Embora aprecie imenso ir de cuba em cuba , numa adega , provando os vinhos do ano acabadinhos de fazer , confesso que prefiro as provas verticais , sobretudo quando estou perante uma marca com larga história e muitas colheitas para apresentar . E a principal razão desta preferência tem a ver com o factor tempo , que pode ser abordado de múltiplas formas . Claro que , numa primeira linha de avaliação , está o comportamento do vinho na garrafa e a forma como superou ( ou não ) a prova do tempo . É interessantíssimo verificar como , na grande maioria dos casos ( sobretudo se estivermos perante uma marca / referência de nível superior ), os vinhos ( brancos ou tintos ) precisam de tempo para atingir o seu auge . Mas nem sempre essa ascensão qualitativa é uniforme , ou previsível . Acontece muitas vezes enfrentarmos uma colheita jovem precocemente envelhecida e outra bem antiga e surpreendentemente jovem . É a magia do vinho a funcionar . No entanto , numa prova vertical , gosto igualmente de imaginar o que ia na cabeça do produtor / enólogo durante vindima , qual era a sua abordagem , que vinho pretendia fazer há cinco , dez , quinze , vinte anos . Se pensarmos nas avassaladoras mudanças que o mundo do vinho tem atravessado em espaços temporais relativamente curtos , mudanças ao nível da produção ( viticultura , enologia , tecnologia , conceitos ) e ao nível do mercado ( gosto do consumidor , comercialização , modas e tendências ) facilmente chegamos à conclusão , tantas vezes evidenciada pela sequência de vinhos que temos nos copos , de que a abordagem do criador ao vinho foi mudando ao longo do tempo . O que nos leva a uma constatação ainda mais complexa : no caso de vinhos que levam vários anos em cave até chegarem ao mercado , como acontece com alguns tintos e espumantes mais ambiciosos , o perfil do vinho que acabámos de comprar na loja pode já nem sequer corresponder inteiramente àquilo que o seu produtor / enólogo entende hoje como o perfil ideal para o seu produto . O mesmo se passa , claro , com o nosso comportamento enquanto consumidores . O tempo muda a forma como olhamos para um vinho . E fá-lo de forma tão gradual e subtil que , frequentemente , nem damos por isso . Falo por mim : vinhos que adorei há duas décadas continuam a extasiar-me hoje , sempre que vou à cave e abro uma garrafa ; e outros que avaliei bem alto há apenas 7 ou 8 anos , já pouco me dizem . Dou por mim a abrir a garrafa , provar , e despejar na pia . Não porque o vinho tenha perdido qualidades , longe disso . Embora mais velho , continua muito bom , exactamente como eu o descrevi na altura . Mas , vá lá saber-se porquê , já não me apetece , não me entusiasma , não mexe comigo , não me dá prazer . As coisas que o tempo faz …

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